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    Tempo de Qualidade
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Tempo de Qualidade

    Ousadia sem limites

    por Francisco Russo

    Sem exagero, este é dos filmes mais loucos e ousados que já pude assistir - e, justamente por isso, é tão divertido! Mas, para que possa apreciá-lo, é essencial mergulhar fundo na proposta de experimentações apresentada, algumas bem radicais.

    Dividido em cinco capítulos, o primeiro longa-metragem dirigido pelo holandês Daan Bakker já inicia com um tremendo pé na porta. Como se fosse uma imensa tela de videogame do início dos anos 1980, flertando com a videoarte, é apresentado - literalmente! - um ponto em 8 bits que conversa com o público. Trata-se Koen, fã de presunto e leite, que se comunica a partir de pulsações - traduzidas para o inglês através de legendas - e interage com outros pontos, multicoloridos, que aos poucos gravitam a tela. Se o choque estético é inevitável, maior ainda é em relação à escolha narrativa feita pelo diretor para apresentar esta história, que a bem da verdade é bastante simples. Trata-se de um caso escancarado onde a forma está muito acima do conteúdo.

    Em sua busca incessante por experimentações narrativas, Bakker entrega ao público cinco historietas onde o único padrão existente é ser completamente diferente do visto até então. Desta forma, o segundo segmento ganha novos contornos visuais ao retratar o ambiente como se este fosse visto pelo Google Mapas, a partir de câmeras muito acima. É possível perceber a movimentação das pessoas como se estas fossem formiguinhas, com os diálogos entre eles sendo retratados a partir de diálogos exibidos a tela que, também, refletem a localização de quem os fala dentro de ambientes fechados. Mais uma vez, o que acontece é muito menos importante do que o formato apresentado.

    Se o terceiro segmento conta com uma narrativa mais convencional e fluida, esta é também a que apresenta o universo fantástico no filme como um todo. A partir da existência de uma máquina no tempo, cujo funcionamento diverte graças a efeitos especiais deliciosamente simplórios, o diretor (e também roteirista) apresenta citações a De Volta para o Futuro, Excalibur e ao conto da Chapeuzinho Vermelho para investigar o passado de um homem, Kjell, de forma a libertá-lo de um trauma de infância. Com uma boa dose de humor negro, Bakker entrega uma história mais elaborada cujo desenrolar surpreende não só pelo que acontece, mas por uma certa cara de pau intrínseca.

    A ousadia estética retorna no quarto segmento, ao retratar as transformações sofridas por um homem, Karel, após ser abduzido por alienígenas. Já no desfecho, com o espectador consciente do jogo narrativo proposto pelo longa-metragem, a quebra de expectativa surge justamente pela apresentação de uma narrativa absolutamente convencional.

    Se cada um dos segmentos apresenta prós e contras, o grande trunfo de Tempo de Qualidade é justamente a união de propostas tão díspares de forma a fazer algo inusitado e, ao mesmo tempo, consciente do choque estético e narrativo que propõe ao espectador. É na ousadia que está seu maior brilho, muito mais do que nas experimentações individuais de cada historieta, que até provocam um certo cansaço devido à incessante proposta em ser fora do usual - é como se a fórmula adotada, também, apresentasse um certo desgaste quando passa a ser decodificada pelo público. Ainda assim, trata-se de um desafio bastante interessante, tanto para o diretor como criador de tal proposta quanto para o público, no sentido de compreendê-lo e até mesmo suportá-lo. Um bom filme, com um forte lado sensorial, que com certeza jamais chegará ao circuito comercial, seja no Brasil ou em vários outros países.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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