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    Os Iniciados
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Os Iniciados

    Abusado

    por Taiani Mendes

    A solidão da mulher negra é um tema pouco comentado e muito notável no “mundo real” que ecoa bastante virtualmente e academicamente. Não há nenhuma mulher em cena em Os Iniciados, porém o representante sul-africano no Oscar 2018 aborda de maneira contundente algo correlacionado, que pode até ser chamado de equivalente do sexo oposto do fértil e doloroso assunto, guardadas as devidas características: a masculinidade do homem negro.

    Xolani (Nakhane Touré) é um operário silencioso que sobe a montanha para trabalhar no Ulwaluko, ritual de circuncisão de adolescentes pertencentes ao grupo étnico Xhosa. Ele é incumbido de “dar um jeito” em Kwanda (Niza Jay Ncoyini), cosmopolita riquinho descrito pelo pai como “sensível demais”. O trabalho de Xolani é cuidar da cicatrização do membro do pupilo e ensiná-lo a ser homem, sobrevivendo na floresta e suportando oito dias sem dormir ou beber água.

    Nessa atmosfera ritualística embrenhada na natureza ainda pouco explorada, o diretor John Trengove discorre em ritmo compassado sobre desigualdade social, racismo, violência e identidade no âmbito da negritude masculina. Inspirado no livro A Man Who Is Not a Man, de Thando Mgqolozana, e com traços de Moonlight: Sob a Luz do Luar, o filme pergunta: o que é ser homem?

    O atencioso e carinhoso Xolani tem como oposto e parceiro o insolente e viril Vija (Bongile Mantsai), cuja força bruta logo atrai o interesse de Kwanda. Bem resolvido com sua sexualidade, orgulhoso e observador, o garoto da cidade se coloca entre os dois polos desequilibrando com ideias contemporâneas e posições firmes, sem vergonha alguma, velhas tradições. Esse outro tipo de homem, que às vezes parece achar-se branco tamanha a distância de suas origens, tenta inspirar aquele que se mostra mais aberto, idealismo imberbe que fracassa por desconsiderar tudo que veio antes.

    As características e o drama pessoal de Xolani, usado por Vija e analisado por Kwanda, são apresentados sem afobação pelo diretor. Sua falta de imposição é um dos traços mais fortes e o longa-metragem reforça isso deixando-o completamente de lado em parte do segundo ato. Vemos um protagonista diminuído na sua própria história e sua demonstração de força passa pela recuperação do domínio narrativo.

    A fotografia se destaca e o uso frequente do contraluz dá a entender que todos são iguais em silêncio no meio do nada, se amando e se agredindo com semelhante intensidade. Encarados de frente, no entanto, representam diversos tipos de masculinidade (que muda quando estão em grupo), tendo em comum apenas o pênis – que o transgressor Kwanda não por acaso chama de "coisinha estúpida".

    No momento de decisão entre seguir em direção ao futuro ou manter os laços com o passado, Xolani assume o papel que crê lhe caber, apaixonado e potente. A esperança dada ao negro homossexual no vencedor do Oscar dirigido por Barry Jenkins é ceifada ao fim do ritual de amadurecimento dos Xhosa na África do Sul, sejam homens ou meninos. Machuca por não ser um caso isolado.

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    Comentários

    • Marçal Bernardo
      O filme é muito bom com um final surpreendente . Uma pena que não tenha conseguido uma indicação para o Oscar.
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