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    A Voz do Silêncio
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    A Voz do Silêncio

    Ainda não existe amor em SP?

    por Taiani Mendes

    Numa São Paulo ruidosa, implacável e povoada por anônimos, o cineasta André Ristum encena algumas histórias sobre relacionamentos. Mãe e filhos fora de sintonia, um marido que não se comporta como tal, avô e neto afastados, patrão desrespeitoso e funcionário incansável. A Voz do Silêncio é um filme-coral sobre a barulhenta solidão que despreza gênero, nacionalidade, orientação sexual, idade, estado civil, classe social e também raça – variável, no entanto, que não é representada na obra.

    Experimentando diferentes níveis de isolamento, os personagens, em geral envolvidos em algum tipo de mentira e vício, têm suas rotinas abaladas pela aproximação do fenômeno astronômico conhecido como Lua de Sangue. Sinal do fim dos tempos, segundo a Bíblia Sagrada, a Lua Vermelha introduz de fato uma mudança de fase nas vidas dessas pessoas, e ao público é reservada por bastante tempo a dúvida sobre que conexões escondidas as envolvem, um quebra-cabeça meio sem razão de ser, estimulado pelo ritmo vagaroso de aprofundamento e clima de mistério assumido por Ristum.

    Como ocorre com muitos longas compostos por narrativas que se cruzam (ou não), A Voz do Silêncio resulta irregular. Por durar mais tempo e ter Marieta Severo, a história da mãe amargurada que acha que o filho está rodando o mundo é a mais desenvolvida, ainda que desestabilizada pelo posicionamento estranho da irmã cantora/pole dancer na equação. No outro extremo qualitativo, o drama protagonizado pelo veterano Marat Descartes é aquele que mais deixa a desejar, bastante carente de mais conteúdo para que talvez pudesse pensar em gerar sensibilização. É redundante em termos de cenas e até mesmo rasa a tragédia do vilanesco advogado ninfomaníaco (?).

    Com direção de fotografia que privilegia closes faciais e montagem e desenho sonoro dedicados a compor uma sinfonia de sons ambientes e esforços repetitivos, A Voz do Silêncio tem muitas vozes, cores e movimentos, e um destaque que participa justamente através de objeto que existe para propagar esse caos compassado que o longa-metragem imita: Augusto Madeira como o pastor onipresente na programação televisiva. Claudio Jaborandy é outro que deixa marcas como o coração trabalhador do filme.

    Às vezes vendo a mesma coisa e ouvindo a mesma música, os personagens circulam pelos mesmos espaços sem se ver ou reconhecer e acabam convergindo para o hospital, transmitindo a mensagem de que toda a sociedade está doente. A Voz do Silêncio parece parado na época do diagnóstico do mal estar da civilização, ainda usando "Não Existe Amor em SP", de Criolo, como trilha de passeio de carro solitário pela metrópole de pedra, como se isso não tivesse sido realizado centenas de vezes na última década. Com direito a tango em português, o filme é como um Medianeras sem o romance ou a internet, restando apenas a cidade grande, os estranhos e a falta do frescor de uma nova forma de reflexão sobre o estar só e sempre acompanhado.

    Filme visto no 46º Festival de Gramado, em agosto de 2018.

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    Comentários

    • Giselle Aparecida Roberto
      A questão da tal musica como trilha, a mesma converte a um momento pessoal do Criolo. Em que, o músico havia passado por uma situação delicada, onde ninguém lhe estendeu a mão, nesse momento ele compôs a melancólica canção. Agora, até aí, sentenciar uma cidade, um povo como desprovido de Amor, é muita apelação...para não dizer, sem noção!!!
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