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    3 Dias em Quiberon
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    3 Dias em Quiberon

    Retratos da intimidade

    por Bruno Carmelo

    Existe algo muito fascinante em filmes que se dedicam a estudar as imagens, a aparência que oculta a verdade de certos personagens e ações. São projetos metalinguísticos, sem necessariamente tratar de cinema: sua intenção é abordar toda construção como máscara. Os filmes de John Cassavetes, Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman, Agnès Jaoui, e também este projeto alemão, possuem algo essencialmente platônico.

    3 Days in Quiberon pode conquistar espectadores pela simples curiosidade de mostrar a vida pessoal de uma celebridade. Romy Schneider, interpretada por Marie Bäumer, vai a uma colônia francesa em busca de desintoxicação de álcool e comprimidos. Ela sonha em reconquistar o filho pequeno, distante dela. Mesmo assim, quando chega ao local, aceita receber a visita de um repórter, que revela a intenção de traçar um retrato violento e íntimo de sua vida. A cura de desintoxicação se revela, metaforicamente, mais tóxica do que previsto. Apesar de detestar os tabloides, a eterna intérprete de Sissi (1955) responde às perguntas por questão de princípios: por que precisaria ter vergonha de sua vida? Esconder fraquezas que podem pertencer a todos?

    O roteiro, portanto, aborda a ruína financeira de Schneider, seus casamentos e rupturas, seus acessos de euforia seguidos por momentos de depressão. Mais do que isso, ele insere a protagonista num quarteto de afetos e desafetos. Ao lado da atriz está sua melhor amiga, Hilde (Birgit Minichmayr), o repórter Michael Jürgs (Robert Gwisdek), além do fotógrafo e antigo amante de Schneider, Robert Lebeck (Charly Hübner). Os quatro se adoram e se detestam, se atacam e se protegem cena após cena. O ritmo é ditado pelo entra e sai dos quartos, o sobe e desce do prédio, o liga e desliga dos telefones, e sobretudo pelo ritmo dos diálogos e silêncios. O resultado lembra alguns aspectos de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, por enclausurar um quarteto de personagens cheios de ressentimentos e observar se digladiarem até o esgotamento.

    A diretora Emily Atef aborda estes relacionamentos com uma mistura de agilidade e elegância. Por um lado, a câmera na mão nunca para, buscando as expressões de cada personagem, explorando muito bem a interação com os objetos e os cômodos. Por outro lado, o preto de branco contrastado e impecavelmente iluminado carrega uma aura de algo antigo, mas de recorte temporal pouco demarcado, além de uniformizar a caracterização física dos personagens: em roupões brancos, Romy, Hilde e Robert não diferem em riqueza, notoriedade ou ambições. Não por acaso, a troca de roupas se revela importante na trama: Romy não é reconhecida nas ruas quando esconde os cabelos com um lenço, o corpulento Robert irrita Hilde quando veste o suéter justo de Romy. Tudo é apenas embalagem, aparência, artifício.

    O filme efetua bom trabalho de reconstituição das fotos reais tiradas por Romy na colônia francesa, em 1981. Os alemães conhecem bem as imagens famosas da atriz sorrindo sobre as pedras da praia, olhando para o horizonte dentro de seu quarto, deitada seminua na cama, cobrindo os seios com o cobertor. 3 Days in Quiberon imagina o que existe por trás de cada expressão. O que se esconde no sorriso educado das fotos? Na aparente felicidade dos famosos? O espectador termina a sessão sem respostas, mas com boas perguntas. Pela imersão psicológica avessa ao sensacionalismo dos tabloides, revela-se um belíssimo retrato humano.

    Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018. 

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