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    Tradição & família

    por Francisco Russo

    Em meio às centenas - milhares? - de comunidades espalhadas pelo planeta, há milhares - milhões? - de costumes locais que, diante do histórico, formam características bastante particulares. Se o Brasil, país-continente, já apresenta comportamentos tão distintos no modo de ser entre os vizinhos Rio de Janeiro e São Paulo, o que dizer de cidades, ou até países, mais distantes? É com um certo olhar antropológico que A Garota Ocidental deve ser analisado, não apenas pelo conteúdo retratado mas também pelo equivocado título nacional.

    Dirigido pelo pouco conhecido Stephan Streker, o longa-metragem retrata uma história real buscando uma certa neutralidade, especialmente em relação às questões religiosas abordadas - e elas são um tremendo vespeiro! Afinal de contas, Noces (no original) acompanha a trajetória de uma garota grávida que, aos 18 anos, precisa lidar com a possibilidade do aborto em meio a uma família muçulmana extremamente devota, que defende o casamento arranjado em nome da tradição. Ou seja, há um inevitável choque de pensamentos neste núcleo, que move toda a narrativa.

    À primeira vista, é fácil apontar o dedo e acusar a realidade retratada pelos absurdos diante da ausência de livre arbítrio e ao modo como as mulheres são tratadas, obrigadas a serem subservientes - em parte, é este também o desejo do diretor. Entretanto, de forma a se manter fiel à complexidade da relação familiar apresentada, Streker opta por apenas retratar os fatos como aconteceram, sem jamais tomar partido - até porque, em vários momentos, a dicotomia entre o bem e o mal não é tão facilmente aplicada. Basta reparar na própria personagem principal, Zahira (Lina El Arabi, bem em cena): ao mesmo tempo em que deseja ter o direito de decidir seu destino, possui uma forte devoção aos preceitos defendidos pela família, mesclado ao carinho que sente por eles. Daí vem a culpa e o remorso, consequência inevitável de todo aquele que bate de frente com o fanatismo religioso a partir de elos emocionais tão intensos.

    Diante desta situação, e de uma certa pluralidade de olhares apresentada, a direção habilmente abre mão da trilha sonora de forma que ela não sirva como condutora emocional do espectador. Os fatos são o mais importante, e a indignação (ou não) decorrente deles vem muito mais da bagagem e da capacidade do espectador em analisar o ocorrido. Streker não está propriamente interessado em apontar culpados ou absurdos, mas em entregar uma conjuntura íntima - e ao mesmo tempo ampla, pela diversidade retratada - diante de uma realidade que acontece nos dias atuais, com uma certa regularidade.

    Por este motivo, o título brasileiro é tão equivocado. Noces, em francês, significa casamento - citação escancarada ao atrito maior existente entre Zahira e sua família. A Garota Ocidental é, acima de tudo, uma posição estereotipada de que apenas mulheres ocidentais têm o hábito de lutar pela sua liberdade. Se o filme tanto se esforça em olhar para todos os lados sem tomar partido, o título brasileiro de forma escancarada assume uma posição pré-definida. Trata-se de uma contradição ao que o próprio longa é, em sua essência.

    Questões de nomenclatura à parte, A Garota Ocidental oferece ao espectador um olhar interessante sobre a complexa questão sobre o quão importante é a religião e a imagem perante a sociedade dentro da comunidade muçulmana. Se nem sempre é fácil aceitar a apatia existente em determinados momentos, isto acontece justamente pela proposta conceitual em trazer um retrato daquela realidade, sem pré-julgamentos. Apesar disto, o longa gera um certo incômodo pela forma como a narrativa é desenvolvida, de forma bem literal e explicativa, por vezes apelando ao batido uso do plano/contraplano com câmera na mão para transmitir instabilidade.

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