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    Dias Vazios
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Dias Vazios

    Morte lenta

    por Francisco Russo

    Para quem vive no interior, chega a ser natural imaginar a vida na cidade grande, seja pelas oportunidades possíveis ou mesmo por prazeres fugazes. Dias Vazios, longa de estreia do diretor Robney Bruno Almeida, aborda justamente esta questão, sob o viés da angústia gerada pela impossibilidade de mudança. É como se a rotina pacata, aliada à religiosidade onipresente, fossem tão sufocantes que, aos poucos, se tornassem insuportáveis.

    Tamanho vazio é representado logo na primeira cena do longa-metragem, uma sala de aula deserta onde, lá no fundo, está Daniel (Arthur Ávila). De semblante fechado, ele folheia um caderno e apenas conversa com sua namorada, Alanis (Natália Dantas), sobre um livro que está escrevendo. O tema: dois alunos da mesma escola, Jean (Vinícius Queiroz) e Fabiana (Nayara Tavares), que, dois anos antes, simplesmente desapareceram. A busca por respostas o norteia, não só em descobrir como terminar sua história mas, também, por uma certa identificação. Daniel, assim como Jean, não vê com bons olhos o local onde mora.

    É a partir destes dois casais que o diretor elabora uma narrativa complexa, envolvendo a metalinguagem do livro em desenvolvimento e até mesmo indo além do apresentado em "Hoje Está um Dia Morto", escrito por André de Leones, base de inspiração do longa-metragem. Dividido em três episódios, Dias Vazios apresenta um requinte estético que chama a atenção, especialmente pela fotografia sem cores que visa retratar o estado de espírito de seu elenco jovem - para eles, a vida na cidade pequena é sempre nublada. Mais ainda: a condução da história possui uma densidade pesarosa, decorrente dos questionamentos e mal estar constantes de Jean e Daniel, especialmente. Ao mesmo tempo, o filme retrata também a vida sexual dos casais, válvula de escape de tamanha apatia e opressão.

    Nesta conjuntura, Rodney elabora com habilidade uma narrativa fragmentada onde os signos da história de um casal ganham novos significados ao serem reaplicados em Daniel e Alanis, de forma a sempre pôr em dúvida se a história irá se repetir ou não. Trata-se de um jogo estabelecido com o espectador, uma espécie de adivinhação onde os elementos são rearranjados de forma a manter sempre um certo suspense. Isto até alcançar o terceiro episódio, quando ficção e realidade se misturam de vez em busca de um desfecho potente e perverso, sem medo de cutucar dogmas. Vem então um imenso soco no estômago, que a própria narrativa busca absorver nos minutos derradeiros de forma, mais uma vez, habilidosa.

    Dentro desta estrutura muito bem ambientada, é importante também ressaltar o trabalho do elenco. Se Vinícius Queiroz (Jean) por vezes soa exagerado em suas caras e bocas de desprezo a tudo e Arthur Ávila é apenas correto ao compor um Daniel apático, as jovens Nayara Tavares (Fabiana) e Natália Dantas (Alanis) brilham como o contraponto das mentes sofridas deste longa-metragem - especialmente Nayara, mais exigida em cena. É interessante também notar que Daniel e Alanis, fisicamente, soam mais jovens que Jean e Fabiana, por mais que ambos os casais passem por situações semelhantes. Além do quarteto, há ainda Carla Ribas, a melhor do elenco, graças à humanidade demonstrada no olhar sempre que sua freira conversa com algum dos garotos.

    Pesado e corajoso ao tocar em temas difíceis, Dias Vazios é um belo filme cuja base de sustentação é justamente a consciência de seu diretor e roteirista do material que tinha em mãos. Se por vezes apresenta excessos, especialmente na brincadeira proposta com os dois casais no segundo ato, é algo até mesmo compreensível por ser este seu primeiro longa. De um rigor narrativo impressionante, especialmente nos enquadramentos adotados e no aproveitamento do silêncio como elemento da história, trata-se de um filme vigoroso que impressiona, não só pelo conteúdo e a forma como é apresentado mas, especialmente, pela complexidade desta história que envolve realidade e ficção e, nem sempre, responde plenamente às questões levantadas. Ainda bem.

    Filme visto na 21º Mostra de Tiradentes, em janeiro de 2018.

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