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    Asterix e o Segredo da Poção Mágica
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Asterix e o Segredo da Poção Mágica

    Tradição e modernização

    por Renato Furtado

    A natureza, as árvores e os pássaros e o vento, observam com encanto a harmonia dos passos seguros e da certeza do velho sábio, a aproveitar a colheita como sempre fez, em um instante de paz, calma e tranquilidade. Mas o pé firme escorrega, afinal de contas a idade pesa, os galhos se quebram, o corpo cai em queda livre pelo ar até chocar-se lá embaixo com o chão, e produzindo um estrondo o simpático e hiperativo druida Panoramix abre desacordado as alas do divertido Asterix e o Segredo da Poção Mágica.

    Que o feiticeiro mais poderoso da Gália possa machucar-se, cometer erros e não conseguir manter a pompa e a circunstância de sua distinta posição não é mero detalhe do cômico roteiro original escrito pelos diretores Alexandre Astier e Louis Clichy, mas o pulo do gato fundamental: na mais nova animação do universo de aventuras dos gauleses mais famosos do planeta, a tradição anda de braços dados com a modernização, mesmo que as duas saiam — hilariamente, diga-se de passagem — no tapa, às vezes.

    Explorando e investigando a mitologia que circunda a lendária criação quadrinesca de Albert Uderzo e René Goscinny, Astier e Clichy demonstram um interesse maior pelos caminhos que Asterix e cia. podem trilhar daqui para frente do que nos caminhos que eles já trilharam, de 1959 para cá. E, para isso, como começar melhor do que com uma lesão do druida Panoramix, que o obriga a deixar a vila que todos conhecemos para encontrar seu sucessor, alguém capaz de carregar os segredos da poção mágica?

    Desde a gênese de Asterix que poucas perguntas são colocadas quanto à importância do néctar que todos os gauleses — a não ser por Obelix, que caiu em um caldeirão da mistura quando bebê e, por isso, não pode mais ingeri-la — tomam para ganhar superforça e supervelocidade para derrotar os romanos. Por isso mesmo, os realizadores de O Segredo da Poção Mágica equilibram-se entre a essência e a inovação para não só examinar outras possibilidades narrativas, como também elogiar a importância da tradição.

    Toda cultura só é mantida vida porque seus hábitos, lendas, costumes, artes, dialetos e gírias são passados adiante, geração após geração. Entretanto, os mais jovens, por rebeldia intrínseca, nunca deixam de promover uma certa e muito necessária modernização à experiência pregressa. Lançando um olhar ao futuro, mas mantendo outro focado no passado, esta animação encanta à clássica maneira de Asterix, mas também desafia o estabelecido, principalmente por causa de uma pequena menina, Pectine.

    Se as mulheres não tinham um papel necessariamente relevante na obra de Uderzo e Goscinny, o (felizmente) cada vez maior avanço do protagonismo feminino na sociedade contemporânea produz um certo anacronismo nas histórias de Asterix, algo que sagazmente Astier e Clichy perceberam. Portanto, na busca de Panoramix por seu jovem aprendiz, não são só Asterix e Obelix que auxiliam o idoso druida, mas também Pectine, um prodígio da engenharia e invenção que, desde o início, ganha destaque na narrativa.

    Os próprios Asterix e Obelix, aliás, nomes evidentemente responsáveis por atrair a atenção do público, interessantemente não são os personagens principais de O Segredo da Poção Mágica, dividindo seu tempo de tela com outros coadjuvantes para deixar que a dupla Panoramix-Pectine brilhe. Se uma história espelha os progressos e os declínios de seus protagonistas em busca de sua temática central, então esta animação é um verdadeiro triunfo teórico, atualizando uma fórmula consagrada com respeito e astúcia.

    A impressionante leveza do filme é aquela das melhores produções feitas para todos os públicos, conjugando questões mais profundas, e até mesmo contemporâneas, neste caso, ao mais direto senso de divertimento. Seja nos momentos em que os gauleses iniciam desmotivadas pancadarias homéricas e generalizadas, seja em inesperadas gags visuais, O Segredo da Poção Mágica arranca um sorriso constante do rosto de seu espectador — quando não uma gargalhada completa, é claro.

    Para isso, o âmbito técnico é crucial. Digital, a técnica de animação deste longa-metragem indica e aponta outras potencialidades para os cineastas — que até mesmo lançam mão de desenhos a mão livre, de rabiscos e de rascunhos de ilustrações para retratar flashbacks, em mais uma oposição entre passado e futuro, tradição e modernização. Com o auxílio do CGI e dos computadores, Astier e Clichy embarcam sem medo nas referências ao atual cinema blockbuster dos Estados Unidos, seja ele animado ou live-action.

    Em um curto espaço de tempo, mais especificamente na divertidíssima e visualmente brilhante sequência final de combate, O Segredo da Poção Mágica faz citações pops, dos filmes de super-heróis às produções de mechas kaijus como Godzilla e Círculo de Fogo, em mais uma demonstração da versatilidade do universo Asterix como produto cultural — até mesmo Jesus Cristo faz uma aparição, apesar de ser reprovado como sucessor de Panoramix, já que multiplicar pães não é exatamente útil para os gauleses.

    São sequências de perseguição aliadas às características e aos elementos mais clássicos de Asterix, como os piratas que sempre naufragam, que fazem O Segredo da Poção Mágica resultar tão vivo na tela. Por outro lado, são também os personagens, tanto os novos como os antigos, dos vilanescos aos heroicos, que fazem com que este longa-metragem não só possa agradar aos fãs de carteirinha dos gauleses, como também encantar um público que talvez não esteja familiarizado com estas aventuras tão saborosas.

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