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    24 Semanas
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    24 Semanas

    Vamos falar sobre aborto?

    por Bruno Carmelo

    Os filmes abordando diretamente a questão do aborto são raros no cinema. Primeiro, o tema deve afugentar a maior parte dos produtores e investidores necessários à viabilização do projeto. Segundo, o tema porta um teor moral tão controverso que o resultado costuma ser julgado por sua postura política e ideológica, ao invés dos méritos cinematográficos. Obras sobre aborto – ou eutanásia, casamento gay etc. – são frequentemente acusadas de funcionarem como panfletos, favoráveis ou desfavoráveis à questão.

    Neste sentido, é um alívio encontrar um título como 24 Semanas, dedicado a debater o tema de modo adulto, complexo, ouvindo todos os lados sem desprezo. A diretora Anne Zohra Berrached adota um ponto de vista ainda mais espinhoso, pois a gestante da trama já está no sexto mês de gravidez, quando a interrupção da gravidez seria proibida na maioria dos países – mas não na Alemanha, onde ela se encontra. Astrid (Julia Jentsch) descobre que seu bebê, além de ter Síndrome de Down, terá inúmeros problemas cardíacos, com pequena chance de sobrevivência após uma série de intervenções cirúrgicas pelas quais passaria logo nos primeiros dias de vida.

    O roteiro aborda as angústias do casal de modo realista, sem apelar para o melodrama, nem introduzir reviravoltas improváveis. Astrid e o marido Markus (Bjarne Mädel) pensam em como criariam a criança, na qualidade de vida que ela teria, se podem se arrepender do gesto no futuro, se a criação cristã de Markus seria compatível com o gesto, se a filha pequena entenderia a decisão da mão, se a família apoiaria, se o público se voltaria contra Astrid etc. Vale lembrar que a protagonista é uma mulher forte, independente, cuja profissão de humorista permite proferir piadas sarcásticas sobre o machismo na sociedade.

    Ao invés de deixar o debate nas mãos de políticos, líderes religiosos ou do patriarcado, 24 Semanas toma a decisão responsável de dizer que a palavra final deve ser da mulher. Por mais que isso aumente a pressão sobre a decisão, ao menos lhe transfere total autonomia sobre o seu corpo. E para quem acha que o aborto seria uma solução “fácil” para se livrar de uma gravidez indesejada, basta ver o calvário atravessado pelo casal para dissipar tal noção preconceituosa.

    Os atores estão excelentes no processo de composição: Julia Jentsch carrega uma tristeza no olhar e se mantém firme nos momentos mais duros, enquanto Bjärne Madel funciona como o elo mais sentimental da dupla. Com uma câmera próxima ao rosto dos atores, a direção acompanha cada hesitação, caminhada no hospital ou nos bastidores das apresentações de Astrid. De vez em quando, uma imagem um pouco mais sentimental com flares, ou tomadas intra-uterinas diminuem a sobriedade do projeto. No entanto, o drama se mantém globalmente racional e sóbrio.

    A conclusão se destaca por conciliar e respeitar pontos de vista opostos, mesmo diante da decisão tomada. Talvez o desfecho revele um projeto centrado menos na questão do aborto do que na autonomia feminina. A força da personagem, na imagem final, é arrebatadora.

    Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.

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