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    Antes o Tempo Não Acabava
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Antes o Tempo Não Acabava

    Choque de culturas

    por Bruno Carmelo

    Em 2012, o diretor Sérgio Andrade trouxe aos cinemas o singular A Floresta de Jonathas, viagem mística de um jovem indígena no norte do país. Quatro anos depois, ele retorna com o tema amazonense e o olhar à cultura indígena em Antes o Tempo Não Acabava. O foco desta vez está em Anderson (Anderson Tikuna), jovem da tribo saterê que se sente cada vez mais atraído pela cidade de Manaus e pelos costumes capitalistas. Um dos principais motivos para essa mudança diz respeito à sua sexualidade: o jovem não consegue explorar na aldeia sua atração sexual por outros homens.

    Quando se focam nas tradições indígenas, os diretores Sérgio Andrade e Fábio Baldo se saem muito bem. O olhar atento ao ritual de passagem de jovens garotos à fase adulta, logo no início de filme, desperta a atenção e mergulha o espectador numa cultura essencialmente brasileira, ainda que pouco conhecida pelo público-médio. Silenciosamente, a câmera registra as pinturas na pele, os movimentos dos corpos e as expressões espontâneas das crianças ao redor da cerimônia, em tom próximo do documental.

    A pluralidade de temas também demonstra um projeto ainda mais ambicioso do que o anterior. Desta vez, a cultura indígena é vista em constante relação com o conservadorismo dos pajés, com a falta de oportunidades profissionais e com a assimilação dos costumes urbanos. O tratamento da bissexualidade em meio indígena também é ousada, assim como algumas críticas ao funcionamento abusivo de ONGs supostamente defensoras dos índios. É uma pena que todos esses temas apaixonantes não se aprofundem a contento, sendo facilmente abandonados pela trama.

    Nos momentos de teor explicitamente fictício, no entanto, o projeto se enfraquece. As cenas com longos diálogos envolvendo o elenco indígena soam pouco convincentes, por exigirem um trabalho de composição e uma versatilidade emocional que não conseguem reproduzir a contento diante das câmeras. A interação com atores profissionais acaba por ressaltar a falta de experiência do elenco autóctone: Rita Carelli está muito desenvolta em cena, ao passo que Begê Muniz mostra-se à vontade num papel difícil, demonstrando amadurecimento dramático em relação à Floresta de Jonathas.

    O próprio teor das filmagens é desigual: dentro da usina onde Anderson trabalha, as imagens são impecáveis em termos de enquadramento, fotografia e ritmo, mas quando o jovem indígena se aventura pela floresta com uma criança nos ombros, o movimento das imagens torna-se truncado. Enquanto algumas cenas impressionam pelo realismo – são belos os momentos em que o jovem compra produtos num mercado, ou corta cabelos num pequeno salão de beleza – outras soam improváveis em termos narrativos e estéticos, como o retorno do protagonista à aldeia, sabendo muito bem do destino desfavorável que o aguarda.

    Antes o Tempo Não Acabava revela uma dupla de diretores ousados, sem medo de abordar temas delicados de maneira frontal, e brusca até demais. Falta encontrar um ritmo coeso para amarrar o projeto, além de desenvolver cada ideia de maneira mais profunda, mesmo que seja necessário sacrificar algumas delas. Mesmo assim, é melhor encontrar produções contestáveis pelo excesso de ambições do que pela reprodução de códigos já conhecidos.

    Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.

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