Uma soma de Hannibal + Clube da Luta e Somos o que Somos.
Após me apaixonar por Titane, resolvi adentrar as entranhas cinematográficas da diretora Julia Ducournau, e como sequência da refeição anterior, deparei-me com essa película, e novamente, saio empanturrado tal qual um banquete em Valhalla.
Além de todo o esmero das atuações, da direção de arte, fotografia, som e montagem, que mais uma vez são impecáveis, o que mais me fascina nos filmes da Ducournau é a multiplicidade de interpretações e alegorias que ela faz em suas obras, que vão das mais literais e ''superficiais'' as mais poéticas e profundas. Tende em vista isso, abaixo segue minhas 3 interpretações:
1- Superficial e literal: Resumidamente, é um filme de terror/suspense, onde podemos dizer que ambas as irmãs possuíam os ''genes canibais'' oriundos da mãe e que eventualmente poderiam acarretar na doença de Kuru (tal qual no filme Somos o que Somos), e que por mais que os pais evitassem ao máximo não despertar esse instinto, não foi possível negar a natureza das garotas.
2- Aprofundada: O filme é uma alegoria a competitividade social, que torna-se mais enfática durante a transição da fase juvenil para a vida adulta no processo de ingressão ao mercado de trabalho. Para aqueles que possuem o privilégio de cursar o ensino superior, isso começa a partir da graduação, pois seus colegas de curso serão seus concorrentes no futuro (já ouvi isso muitas vezes de professores), no filme, os veteranos obrigam aos recém-chegados a animalizar-se e servir aos mais experientes, formando uma verdadeira pirâmide social. Tal alegoria fica ainda mais evidente durante a conversa entre a protagonista Justine e seu professor, onde ele afirma predilar pelos alunos que de fato necessitam dele, do que ela, a aluna brilhante a quem eles devem se esforçar para ao menos si igualar e aqueles que não conseguem tal feito, desistem. É o famoso: ''Sair e matar um leão por dia''.
3- Psicológica: A obra é uma alusão ao desabrochar da vida afetiva/sexual, denotando o encontro da jovem altamente reprimida (Super-Ego) com seu lado mais animalesco associado ao sexo (ID), culminando no equilíbrio entre estas duas versões (Ego). Esse lado ID demonstrado no filme, denota possuir características altamente Borderline (Pessoas que amam demais), onde tal amor é externalizado através do canibalismo, é o famoso: ''Eu te amo tanto que dá vontade de ti engolir!'', isso é enfatizado no fato das irmãs devorarem Adrien (o amor secreto de Alexia e o deflorador da Justine) e muito bem evidenciado nas cena finais: A- Na visita a Alexia, que está presa, onde as irmãs demonstram as partes que uma devorou da outra e ambas demonstram carinho e afagam tais marcas; B- Na conversa entre Justine e seu pai, onde o mesmo revela as suas marcas causadas pela mãe (a Borderline da relação) ao longo dos anos.