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    Moonlight: Sob a Luz do Luar
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Moonlight: Sob a Luz do Luar

    Um retrato universal da solidão, que recusa o lugar-comum

    por Renato Hermsdorff

    “Todo crioulo é uma estrela” (“Every nigger is a Star”). Essas são as primeiras palavras que se ouvem em Moonlight. A frase é, na realidade, o verso da música homônima de Boris Gardiner, artista negro, que ironicamente usa o termo pejorativo para inflar a autoestima da própria comunidade. Mas engana-se “de verde-amarelo” aquele que pensar que se trata, aqui, de um filme de gueto – embora a produção seja, sim, um importante instrumento de voz para os afrodescendentes.

    Escrito e dirigido por Barry Jenkins (do pouco conhecido Medicine for Melancholy), a partir de uma ideia de uma peça, o filme é o que, em cinema, se chama de um verdadeiro estudo de personagem. Apelidado de “Little” (pequeno), o tímido Chiron (Alex Hibbert, de um olhar acuado de cortar o coração) mora numa comunidade pobre da Miami da explosão do crack dos anos 1980 e, desde novo, sofre com os colegas de escola que o tacham de bicha (“faggie”) – embora nem ele mesmo, aos dez anos, saiba o que isso quer dizer (não é que o garoto dance Donna Summer no intervalo do recreio, o que, mesmo assim, não justificaria a atitude da turma).

    Quando chega na adolescência (quem assume é Ashton Sanders, numa performance mais exagerada, menos sutil), a introspecção aumenta na mesma proporção do bullying. Somam-se mais dez anos a essa história e vemos Chiron como “Black” (aqui entra o ex-atleta Trevante Rhodes, ótimo em sua estreia no cinema), já líder do tráfico local. O que não muda, ao longo das três fases em que o filme divide a vida do personagem, é a busca por autoconhecimento – algo universal, inerente à vida de qualquer um, independente da cor da pele ou de com quem você se deita.

    As questões de raça e preferência sexual, no entanto, ganham contornos ao mesmo tempo simples e complexos quando transpostas para um universo essencialmente masculino. Essa é a grande sacada da obra. Se há ainda um resquício de estereotipagem na mãe solteira sobrecarregada de trabalho que usa a droga como escape (e há) –  um excelente trabalho de Naomie Harris, a Tia Dalma da franquia Piratas do Caribe –, o mesmo não se pode dizer do personagem de Mahershala Ali. O intérprete do Boggs de Jogos Vorazes vive uma espécie de figura-paterna para o jovem Chiron, alguém que, apesar do trabalho “fora da lei”, mostra que pode, sim, ser uma presença responsável e atenciosa.

    Sem um padrão, a câmera é fluida (destaque para o rodopio em torno de Mahershala logo na sequência de abertura) e, quando sossega, reluta em pousar em um enquadramento óbvio (e sempre bem iluminado). O mesmo se pode – e deve – dizer da trilha que, variando da música clássica a Caetano Veloso (sim!), também recusa a trivialidade.  

    Reduzir Moonlight a um filme de nicho é cometer um erro tão grave quanto o fizeram os bullies que rotularam Chiron. Não falta nuance, não falta franqueza emocional, não falta solidão. Falta, talvez, uma catarse para tamanho sofrimento reprimido.

    Filme visto no 41º Toronto International Film Festival, em setembro de 2016.

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    Comentários

    • Alfante
      Haverá sempre quem goste muito do A e quem prefere mais o Z. Preferir mais ou preferir muito. Expressões que intensifiquem ou quantifiquem o verbo preferir tornam-se redundantes, uma vez que o verbo preferir já acarreta o sentido de gostar mais e querer antes.
    • Pedro O.
      Orientação? Alguém orientou ele a ser homossexual? Dã errado também.
    • Fábio
      Na sinopse do filme é possível ver que se trata de um personagem gay. O que vc esperava que tivesse no filme então? Se assistiu um filme desses com um filho pequeno, deveria prestar mais atenção na classificação indicativa do filme e na temática. Vamos parar pra ler sobre o que se trata o filme né, por favor
    • SLOAS
      Intrigante a discussão do filme sobre a observação do afloramento da orientação sexual de um menino negro de uma comunidade negra violenta e como as duras penas, lida com isso, dentro de uma extrema timidez e solidão.
    • Marta Leandro
      Belíssimo filme! Única ressalva para o uso da música do Caetano, que já foi usada por Almodovar no filme Fale com ela. Penso que poderiam ter usado outra música, do Caetano, claro! ;-)
    • Raquel C
      Renato gostaria de salientar que não existe preferência sexual, é sim orientação sexual.
    • Alisson Santos
      Queria escrever alguma coisa legal aqui sobre esse filme incrível mas li os comentários e descobri que mulas sabem digitar e perdi a vontade, vão assistir Debi e Lóide, boa noite.
    • Iuhey Antony Aleixo da silva
      Na minha perspectivava, o filme não é merecedor do Oscar. Levanta discussões importantes e atuais, porém , a forma como estas questões foram levantadas e expostas, não me convenceu. O filme não acontece.
    • Alex Xavier
      Como é possível vários filmes com homem e mulher terem ganhado Oscars anteriores?(!)
    • Matheus Barbosa
      Você disse tudo, é um filme para quem tem delicadeza. Não foi produzido para ser a vida fantástica do personagem, a ideia é mostrar na sutileza as nuances da vida, em especial de um personagem como Chiron. Fantástica a sacada de deixar o filme acabar no meio do caminho, dá uma ideia de que amanhã tem mais, o personagem continua a labuta de sua vida.Muito bom filme!
    • Diego
      Vou fingir demência,tem gente não deveria assistir esse filme.
    • Antonio F Silva
      Parabéns Mário. Discordo apenas quando se refere a falta de engamento e envolvimento do personagem com o público, lembrando que se trata de um pobre, negro e homossexual num mundo racista/xenofobista por excelência, que, ao meu ver, é também uma proposta de denuncia do filme. E quanto a nós, quinto mundistas, além de falta educação, caráter e valor para se discordar do alheio, estamos despreparados para a convivência com o contrário. Veja os absurdos das torcidas organizadas, simpatizantes de partidos, segmentos, entidades, etc. Obrigado.
    • Luciano
      Seu tempo é precioso, nossa... impressionante.. . deve estar fazendo coisas importantes mesmo...
    • Gerson Arruda
      Me refiro ao fato de que não teve cena de sexo explicito entre homens. E a cena que vc se refere só ocorre no pensamento do personagem, é uma representação do desejo dele.
    • Gerson Arruda
      Pode parar de achar e ter a certeza.
    • Dolce
      concordo!!!!!
    • Dolce
      Não teve?? E a cena do sonho dele?? Sonhando com amigo lá comendo a moça?? kkkkkkkkkk
    • Dolce
      Concordo com tudo o que vc falou!! Assisti ontem porque tinha muita curiosidade e a decepção foi total!! Boas atuações, mas a história e esses furos não mereceram o Oscar nunca!!!
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