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    Eu, Daniel Blake
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Eu, Daniel Blake

    Respeito

    por Francisco Russo

    No Festival de Cannes de 2014, na coletiva concedida por Jimmy's Hall, Ken Loach surpreendeu ao dizer que considerava a aposentadoria. "Primeiro irei acompanhar a Copa do Mundo, depois veremos o que o outono trará." Dois anos depois, o veterano diretor está de volta ao festival com um longa-metragem extremamente fiel às suas crenças. Felizmente!

    Por mais que seus dois últimos filmes, Jimmy's Hall e A Parte dos Anjos, sejam agradáveis e até divertidos, falta a ambos o tom incisivo típico de Loach ao apontar desvios existentes na sociedade atual. Em I, Daniel Blake, o diretor retorna ao habitual tema da defesa das minorias perante os abusos cometidos pelo Estado, agora em relação à burocracia existente para se obter benefícios sociais concedidos pelo governo.

    Por mais que trate de leis e regras tipicamente inglesas, é impossível não se identificar de alguma forma com a saga do personagem título, um senhor impedido de trabalhar após passar por um ataque cardíaco. Basta relembrar algum momento em que você, por qualquer motivo que seja, buscou auxílio telefônico e precisou aguardar uma eternidade para ser atendido por um operador burocrático que repete, sempre, a mesma cartilha pré-definida. Esta é a grande batalha enfrentada por Blake, exponenciada pelo fato de ser um analfabeto digital - o que, em uma época onde as informações são jogadas na internet para serem descobertas por cada um, torna-se um complicador ainda maior.

    O grande mérito de Loach neste novo filme é evidenciar o cinismo existente por trás do sistema, de forma a ofertar ajuda mas torná-la tão complicada de ser atingida que, na prática, torna-se inviável. É como se existisse apenas de boca para fora, de forma a evitar acusações de desamparo social, mas sem que haja o interesse em vê-la efetivamente funcionando. Diante de tal situação, nada mais resta a ele do que lutar pelo respeito, como pessoa e como cidadão. E é neste ponto que o filme torna-se comovente.

    Em um cenário cada vez mais desolador e sem perspectiva, Loach oferece o lado humano de seus personagens - e é difícil não ficar tocado por eles, independente da sua crença política. A sequência em que o protagonista Dave Johns descobre o caminho tomado pela amiga Katie (Hayley Squires) é de uma beleza triste, pelos sentimentos envolvidos. O mesmo vale para o desfecho, carregado de emoção e idealismo. Loach pode até não conseguir mudar o mundo com seus filmes, mas a mensagem que transmite através deles mais uma vez atinge corações e mentes. Um filme para ver, refletir e até mesmo traçar um paralelo com a realidade política existente no Brasil.

    Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.

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