Surpreendente, original, único, chocante. Esses serão adjetivos que pipocarão na sua mente após assistir Corra!, um excelente filme que fica entre o terror, suspense e comédia num equilíbrio poucas vezes vistos.
Com pouco orçamento e nenhum grande nome do mainstream de Hollywood o valor desse filme está no seu roteiro muito bom e uma crítica social potente e corajosa. Sendo o racismo uma realidade tanto nos EUA quanto em qualquer parte do mundo é natural que existam tantos filmes sobre o tema, mas este aqui vai mais além e de uma forma muito inesperada.
O filme já abre com fotos em preto e branco, mostrando logo cedo esta dicotomia que pautará até o fim da história. Chris, apesar de ser convidado pra casa de sua namorada branca é lembrado a todo instante que é um forasteiro com perguntas constrangedoras sobre sua cor. Mas ele responde à todas com um sorriso no rosto, e repete "deixa, isso não é nada demais". Isso pq ele está acostumado, na sociedade também é assim, o racismo é uma realidade que ele "já se acostumou". Uma crítica reveladora.
Por outro lado Chris, pensa que os outros negros (empregados da casa) o invejam por estar namorando uma branca. Isso também é uma ilusão preconceituosa da parte dele. Quando vai se aproximar destes outros negros ele muda seu linguajar e trejeitos, como se fosse o modo negro de falar entre si. Tudo isso acaba sendo justificado pelas circunstâncias, mas é aí que o filme te pega - Se você começa a achar que as circunstâncias justificam tratar pessoas de forma diferente, isso é um sinal do preconceito impregnado em (todos) nós.
Por fim, no ato final o filme toma coragem pra mostrar graficamente um confronto pautado na raça, sem medo e sem pudores. Tudo se resolve de forma rápida e realista, sem vilões que armam armadilhas mirabolantes, nem masmorras ou clichês do tipo tão presentes nos filmes de terror. É tudo bem seco, direto ao ponto, pois o propósito do filme já foi alcançado nos dois primeiros atos. Não há necessidade de enrolar mais.
O filme traça o cenário social racista dos estados unidos com muita sutileza e acurácia: Hoje o mito de que os negros são geneticamente inferiores caiu por terra, os negros ocupam cargos altos na política e na mídia, a cultura negra está em alta (está na moda ser negro, diz um personagem) mas nada disso é o suficiente. O preconceito agora se dá por puro revanchismo, por uma inveja do negro, ou melhor, um sentimento de que o negro é uma propriedade inerente do branco. Quando perguntado ao vilão "porquê os negros?" ele responde "Quem sabe?" numa sincera declaração de que o racismo é tão profundo que ninguém se lembra mais os motivos pra tanto ódio, mas mesmo assim continuam à reproduzi-lo.
Do ponto de vista técnico as escolhas do elenco são certeiras. Chris não é um galã comum, sua atuação é cheia de expressões explosivas, que traduzem bem os sentimentos contidos do personagem. A emprega negra é macabra de tão boa atriz. E a namorada de Chris também se destaca.
A trilha sonora de "run rabbit run" condiz bem com a temática do filme, e a direção de Jordan Peele é muito competente, com o bom uso dos cenários e closes.