Minha conta
    De Longe Te Observo
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    De Longe Te Observo

    Influências

    por Francisco Russo

    Em certos filmes, é possível notar o dedo da equipe técnica até mais que o do próprio diretor. Desde Allá, filme venezuelano que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, é um destes casos devido à participação de dois importantes nomes do cinema mexicano recente, que possuem traços característicos bem marcantes: Michel Franco e Guillermo Arriaga. O primeiro como produtor, o segundo como um dos autores da história que inspirou o longa-metragem.

    Assim como acontece em Depois de Lúcia e Chronic, ambos dirigidos por Franco, Desde Allá é um longa-metragem cuja câmera assume uma posição de observadora dos fatos, às vezes meio de forma escondida – é o que acontece quando o foco está na nuca de algum personagem, como se a câmera o seguisse. O tempo morto, em que nada acontece, é essencial para o desenvolvimento da narrativa, no sentido de revelar detalhes sobre quem são estas pessoas. Já Arriaga possui um estilo seco e direto de contar uma história, tão bem retratado em suas parcerias com o diretor Alejandro González Iñárritu (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel). É a partir da junção destas duas características que se forma Desde Allá. Não que a participação do diretor (e roteirista) Lorenzo Vigas não seja importante, longe disto. Mas é interessante notar que, em seu longa de estreia, tenha se entregue de forma tão intensa ao modo como Franco e Arriaga pensam cinema. Se este é também o seu ponto de vista, isto apenas o tempo (e seus próximos filmes) poderão dizer.

    Independente de influências, Desde Allá é um filme que depende muito do que não é dito de forma explícita ao espectador. Não espere respostas fáceis, e em certos casos nem mesmo respostas. Vigas (e Franco, e Arriaga) querem na verdade investigar a vida deste homem de meia idade, Armando (Alfredo Castro, contido e ótimo), que paga a jovens para que fiquem nus diante de si, em sua casa, de forma a que possa se masturbar apenas observando-os. Há uma parede invisível entre contratante e contratado que dá uma certa segurança a ambos, esfacelada quando o raivoso Elder (Luis Silva, muito bem) entra em cena. Inicia-se então um jogo de desafios, onde o desejo latente e a surpresa diante da mão estendida têm papel preponderante.

    Curiosamente, a trama básica de Desde Allá lembra muito a de outro filme premiado: Vênus, que rendeu a Peter O'Toole sua última indicação ao Oscar. Nele um senhor de idade se apaixona por uma jovem britânica, que o trata mal mesmo com ele fazendo todo o possível para agradá-la. Aqui, Elber segue tratando mal Armando, mesmo com ele sempre ajudando-o. Por mais que os dois filmes sigam caminhos distintos e tenham uma estética bem diferente, além do fato de Desde Allá ser mais realista e duro, tal semelhança chama a atenção por, a princípio, não haver qualquer correlação entre os filmes. Outro ponto que merece atenção é o subtexto inserido na narrativa em relação ao modo como a homofobia está entranhada na sociedade venezuelana, tanto pelas reações de Elber quanto de seus conhecidos.

    Com muita câmera na mão e um ritmo lento necessário para esta história, Desde Allá é um filme revelador nas entrelinhas. O enigma construído em torno de Armando move boa parte do longa-metragem, inclusive no desfecho impactante, no estilo que Michel Franco tanto gosta. Bom filme, que tem no formato e nas atuações seus grandes trunfos.

    Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em novembro de 2015.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    Back to Top