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    Que Horas Ela Volta?
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Que Horas Ela Volta?

    Brasil dividido

    por Bruno Carmelo

    Em pleno período pós-eleitoral, quando cidadãos e representantes eleitos contestam as regras, as alianças e a estrutura do sistema político brasileiro, chega um filme exemplar para discutir este Brasil dividido: Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert. Misturando drama e comédia, o filme consegue confrontar o Nordeste e o Sudeste, os ricos e os pobres, o Brasil segregacionista e a ideia de união nacional.

    Regina Casé interpreta Val, uma empregada doméstica de Recife que mora há mais de uma década em São Paulo, na casa dos patrões. Dentro deste amplo lar de classe média-alta, Val é considerada “quase da família”, tendo criado os filhos dos patrões como se fossem os próprios, mas ela ainda faz as suas refeições em uma mesa separada, dorme no quartinho dos fundos e jamais colocou os pés na grande piscina onde os outros se divertem. A empregada doméstica foi o símbolo escolhido para ilustrar a condescendência de certa elite que “acredita sinceramente ter sido feita para ocupar tal posição”, como diriam os sociólogos Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot.

    Anna Muylaert sempre brincou com as diferenças sociais, dando destaque à classe média. Às vezes, seu humor peculiar e absurdo se sai bem (Durval Discos, É Proibido Fumar), às vezes, força a mão na caricatura (Chamada a Cobrar). Que Horas Ela Volta?, de cunho mais dramático e narrativamente mais convencional que os filmes anteriores, é também a sua melhor obra, a mais doce e comovente, fugindo do maniqueísmo em que o jogo de opostos poderia facilmente desaguar.

    O elemento que permite implodir a dinâmica familiar é a chegada de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, à casa dos patrões, na intenção de se preparar para o vestibular. Questionadora, ela funciona como um elemento de subversão que ressalta a artificialidade daquela estrutura, que parecia natural tanto à família quanto a Val. Como o visitante de Teorema, a garota de passado misterioso chega para seduzir o pai e o filho, questionar a autoridade da patroa e desestabilizar a própria mãe.

    O equilíbrio na representação é mantido graças ao excelente trabalho do elenco. Regina Casé descontrói seus gestos corporais amplos e ganha uma feição mais simples, lenta, de quem desempenha as mesmas tarefas há décadas. O humor de suas falas é irônico, mas simples, cotidiano, o que leva a sua personagem – e o filme – para o bem-vindo tom de crônica social. Camila Márdila também tem uma atuação excepcional, tateando o terreno dentro da casa desconhecida e sutilmente ganhando espaço, como uma boa estrategista. Karine Teles e Lourenço Mutarelli cumprem bem a imagem do casal rico e supostamente descolado, apesar de serem presos às convenções sociais.

    Talvez o roteiro insista demais em alguns símbolos (o sorvete, as xícaras de café), mas isso corresponde à vontade de fazer de um único lar um exemplo de milhares de outros lares nas mesmas condições – por isso, pequenos símbolos são obrigados a ganhar uma importância maior do que normalmente teriam. A atitude de Carlos (Mutarelli) em relação a Jéssica também surpreende, mas isso provavelmente se encaixa na cota de pequenos surrealismos que Muylaert gosta de embutir em suas histórias, como uma assinatura pessoal. De qualquer modo, estes fatos não alteram o ritmo agradável da história, que levou a plateia às gargalhadas no festival de Berlim, depois de também cativar o público em Sundance.

    É possível imaginar que o público brasileiro também se identificará com este filme. Muitas pessoas poderão enxergar em tela as próprias famílias, ou as famílias de pessoas que conhecem. As comédias de cunho social são raríssimas no cinema brasileiro, principalmente com a qualidade e profundidade de Que Horas Ela Volta?. Resta torcer para que a obra represente aquela faixa de mercado tão necessária e tão ausente na nossa cinematografia: a dos “filmes do meio”, entre as pequenas obras herméticas do circuito de arte e os grandes arrasa-quarteirões da comédia popular.

    Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.

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    Comentários

    • Rodrigo Erick
      Não só cara de surpresa, mas a Dona Bárbara já vai adiantando um coitada pra Jéssica, já imaginando que Jéssica não vai conseguir.
    • Guilherme Petros
      A gente vê q esse é um filmaço pelo quanto ele ainda ofende parte numerosa da elite e da classe média de SP. Obra-prima.
    • Fabio Cavalcante
      Parabéns! Um dos comentários mais sensatos que li aqui.
    • Luís Carlos Barbosa Fonseca
      Excelente comentário. Um Rubens Ewald Filho de saia. Palmas pra vc!
    • Luís Carlos Barbosa Fonseca
      palmas... palmas...
    • Maurílio Sampaio Jr.
      Você é de qual geração? já sei, anos 30 mas com a cabeça da geração milenium, certo? por que com essa cara de maracujá azedo você é bem mais velho do que eu,jovenzinho. O certo e o errado não mudam com o tempo, são o mesmo hoje ou daqui a cem anos, por mais que gente como você diga o contrário. Nem tudo está num processo evolutivo. Vai ser feio assim no inferno.
    • Maurílio Sampaio Jr.
      Pois não, meu jovem.
    • Cido Marques
      O senhor precisa entender que a geração atual é diferente da geração do seu tempo.
    • Dieike Costa
      O que eu entendi do filme, foi que a familia de classe media alta não esperava ver uma filha de emprega altiva, questionadora e que iria prestar vestibular para arquitetura, tanta que eles fazem cara de surpresa quando ela diz pra qual universidade ela vai fazer. em certos momentos ela e folgada,mas em outros mesmo sendo filha de emprega ela conversa com eles de igual pra igual.
    • Maurílio Sampaio Jr.
      Se ser de esquerda é ser troncho, mal educado, sem noção, como você, eu sou de direita mesmo.
    • Maurílio Sampaio Jr.
      Eu assisti seu estúpido, a Globo reprisou na Tela Quente, acha que todo mundo que não concorda com vc fica falando à toa? eu assisti e ela era bem folgada mesmo.
    • Cido Marques
      Maurílio nem deve ter visto o filme, ela comeu pois a patroa ofereceu e depois ela voltou a comer.
    • Maurílio Sampaio Jr.
      Vc não tem idéia nenhuma do que é certo ou errado não é? É óbvio que se eu chegar na casa de alguém mesmo sendo um conhecido eu não comeria qualquer coisa que tivesse na geladeira. Continua assim seu maluco sem noção.
    • Maurílio Sampaio Jr.
      Nem tudo se resume a Bolsonaro ou Lula, esquerda ou direita, já ouviu falar em neutralidade? Garanto que muito esquerdista tbm achou esse filme uma merda. Nem todo mundo de esquerda tem que concordar com vc e pilantra é você sua vaca mal educada. Xô o seu r**o, vc ainda me ver muito por aqui, acostume-se.
    • Laura
      pelo comentário ja sabemos que você é um pilantrinha de direita. Xô!
    • Girleyde Nunes
      Melhor análise do filme até aqui. Colocações sábias!
    • Cido Marques
      De rua? acho que vc confundiu com sua mãe.
    • Cido Marques
      Minha empregada pode abrir a minha geladeira a hora que quiser e comer o que quiser.
    • Katita Katinha
      Fiota, se eles não precisavam levantar para um copo d'água é porque eles podiam pagar. Se a empregada tava lá pra pegar é porque tinha emprego. E ela não ganhava mal não, pois deu presentes caros pra filha e no final ofereceu passagem de avião pra buscar o neto. E ainda ia ter dinheiro para o curso de massagista. Se ela tinha a possibilidade de sair de um emprego para outro melhor, foi porque teve o primeiro e soube administrar sua grana. Europeu só paga faxineira porque são pobres ou não querem ostentar: escolha deles! Nós fomos ensinados que estrangeiro é que é phodástico. Culturas e visões de mundo diferente. Eu detesto arrumar casa, lavar roupa, etc. Se tivesse grana, pagava alguém sim, pra fazer tudo pra mim. Veja bem: pagava! Trabalho escravo só na sua mentalidade! KKKKKK Onde que escravo recebe bom salário e pode largar o emprego a hora que quiser? Só na sua cabeça! kkkkkk
    • Katita Katinha
      kkkkk abra as portas da sua casa e da sua geladeiras pros folgados de rua, então! kkkkk
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