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    Maravilhoso Boccaccio
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Maravilhoso Boccaccio

    Contadores de histórias

    por Francisco Russo

    Apenas dois anos após o lançamento do impressionante César Deve Morrer, os irmãos Taviani já lançaram um novo filme - algo até mesmo surpreendente, ao se considerar o hiato de 16 anos após As Afinidades Eletivas, de 1996. Desta vez os veteranos diretores embarcam no clássico "Decamerão", escrito por Giovanni Boccaccio no distante século XIV, selecionando cinco das 100 novelas escritas pelo autor. Todas analisando questões morais da natureza humana, sob diferentes aspectos.

    Entretanto, antes mesmo de iniciar os causos, os Taviani tomaram o cuidado de situar historicamente o espectador. É com cores fortes e uma tendência ao vermelho-sangue que é mostrada a Florença da época da peste negra, onde nada mais restava a quem estava infectado do que aguardar isoladamente a morte, tornando-se um verdadeiro pária na sociedade. Fiéis ao jeito italiano de ser, os Taviani ainda carregam a mão nas emoções exacerbadas vindas de vítimas e sobreviventes. Tudo para retratar a tragédia existente, que acontecia não apenas ali, mas em toda a Europa.

    Tamanha mão pesada contrasta justamente com o que vem a seguir: cores leves e tom ameno ao mostrar um grupo de 10 jovens que se isola em uma bucólica casa no campo. É como se vivessem um conto de fadas, movidos pela fraternidade. Tem início então a contação de histórias, cada uma abordando uma vertente distinta: o amor, o lado espirituoso, a tragédia, a hipocrisia e a dualidade entre lealdade e sacrifício.

    Por mais que as historietas sejam bem trabalhadas, há um certo tom ecumênico vindo dos Taviani, no sentido de devoção ao texto de Boccaccio. Com isso, todas as histórias apresentadas são bem comportadas e, por mais que trabalhem hipocrisias e peculiaridades, jamais se aprofundam de fato no lado mais sujo da alma humana. Além disto, há na narrativa um tom teatral que, em determinadas cenas, faz com que as marcações do elenco fiquem nítidas e tudo se torne meio artificial. É como se os atores estivessem declamando, assim como faziam os presidiários ensaiando Shakespeare em César Deve Morrer.

    Talvez tal proposta seja um resquício do trabalho anterior dos diretores, cujo intuito era lidar com a linha tênue entre realidade e ficção a partir do teatro. Ou até este respeito excessivo seja a real intenção do longa-metragem, como sugere o título. De toda forma, tamanha linearidade e amenidade acaba agindo contra o filme, tornando-o um tanto quanto enfadonho. Ainda assim, trata-se de um longa interessante pelo contraste estético existente entre o antes e o depois do encontro entre os amigos e também pelos causos que trabalham os desvios morais de seus personagens principais, de longe os mais interessantes.

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