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    Amor à Primeira Briga
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Amor à Primeira Briga

    Comédia dos tempos de crise

    por Bruno Carmelo

    Os jovens Madeleine e Arnaud não poderiam ser mais diferentes. Ela vem de uma classe social privilegiada, estuda macroeconomia e recebe o apoio da família. Ele enfrenta dificuldades financeiras, acaba de perder o pai e não gosta da profissão familiar de marceneiro. Ela é grosseira, musculosa; ele é gentil e franzino. Apesar das diferenças, eles têm algo em comum: a falta de perspectivas para o futuro. O que une os protagonistas nesta história é a ideia de que a Europa está falida, os jovens não vão encontrar profissões decentes e todos estão fadados ao fracasso.

    A priori, este não parece o material mais estimulante para uma comédia, mas o diretor estreante Thomas Cailley faz um ótimo trabalho ao analisar, de maneira leve e sarcástica, os rumos dos dois personagens. Madeleine acredita no iminente apocalipse e na guerra de todos contra todos, já Arnaud está simplesmente desiludido, e tenta não pensar muito no dia seguinte. Desde a primeira cena em que se encontram, ele morde a garota com força. Ela se afasta, mas ao invés de revidar, fica intrigada com o impulso selvagem por trás daquela aparência amigável.

    Amor à Primeira Briga pode dar a falsa impressão de ser uma comédia romântica. O título, pensado em termos de visibilidade comercial, esconde o fato de que existe pouco amor, e ainda menos brigas. Os dois são “combatentes”, como diz o título original, mas não enfrentam um ao outro, e sim uma ideia fracassada de inserção social em tempos de política de austeridade. Com a convivência, Arnaud se impregna da força atômica de Madeleine, e os dois tentam a carreira no exército – só para descobrir que o ideal de patriotismo dos militares não corresponde aos impulsos desses lutadores individualistas. Todas as instituições estão falidas: a família, o exército, a universidade, a religião. Como os jovens não têm futuro na sociedade, eles fogem para um idílio afastado de todos, no meio de uma floresta.

    O cineasta faz questão de tornar a dupla central complexa e madura, tanto pelo roteiro cuidadosamente desenvolvido quanto pelas atuações excepcionais da dupla principal. Kévin Azaïs é uma boa descoberta, ganhando força ao longo da história, mas o espetáculo se deve mesmo a Adèle Haenel. Depois de mostrar o seu talento em filmes como L’Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância e Suzanne, a atriz faz um uso incrível do corpo, da voz e dos olhares, conseguindo ser ao mesmo tempo ríspida e terna, impulsiva e melancólica. Sua presença em cena é brutal, e fica difícil desviar os olhos quando Madeleine entra em cena. Os diálogos afiados contribuem às trocas explosivas entre os dois.

    Enquanto isso, Thomas Cailley acompanha os personagens de perto, adotando o ponto de vista gentil e compreensivo de Arnaud. Assim, ele consegue transmitir facilmente ao espectador toda a admiração diante de Madeleine. A câmera explora muito bem os espaços, os sons, a passagem entre a cidade, a floresta e o retorno ao meio urbano. Rumo ao fim, a impressão de catástrofe prevista por Madeleine se concretiza de maneira poética, colocando-os finalmente diante dos obstáculos que tanto esperavam. O clímax na cidade fantasma é perfeito para uni-los e para representar o vazio que se apresenta diante dos dois.

    Apesar do subtexto político, da união de gêneros (comédia, aventura, drama, romance, suspense), da multiplicação de espaços e da evolução narrativa complexa, Amor à Primeira Briga consegue ser um filme leve e acessível. Compreende-se que ele tenha conquistado um sucesso tão significativo com os críticos e com o público. Este é um dos raros filmes capazes simultaneamente de agradar (pela beleza das imagens, pelo ritmo da trama) e de provocar (levando à reflexão), constituindo assim uma comédia inteligente, precisa e atual.

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