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    O Melhor Lance
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Melhor Lance

    Os segredos da aristocracia

    por Bruno Carmelo

    Virgil Oldman (Geoffrey Rush) é um homem fóbico. Perito em obras de arte, ele usa luvas para tocar em cada objeto, evita contato visual durante as conversas e possui uma obsessão por retratos de mulheres. Ele encontra seu par perfeito: Claire Ibbetson (Sylvia Hoeks), uma jovem ainda mais fóbica. Ela é a rica herdeira de uma mansão, que nunca foi vista pelos empregados e não sai de casa desde os quinze anos de idade. Claire possui diversos móveis para ser avaliados, e Virgil possui o conhecimento necessário para avaliá-los. Quase automaticamente, os dois se unem.

    Durante mais de 1h50 (das 2h11 de duração), o diretor Giuseppe Tornatore desenvolve uma mistura cuidadosa entre romance e suspense. A atração dos dois é inevitável (até porque existem pouquíssimos personagens em cena), mas também são inevitáveis as perguntas: Por que Claire nunca sai de seu quarto? O que ela realmente tem a esconder? Como ela pode viver nesta mansão há tantos anos, sem a ajuda de ninguém? O roteiro insiste em cada um desses conflitos, como se quisesse frisar que não se esqueceu de nada, que sabe muito bem dos fios soltos, e que pretende atá-los todos mais tarde. O Melhor Lance não esconde a sua estrutura de gradação (o suspense fica cada vez maior) e a promessa de uma surpresa bombástica no final.

    De certa maneira, espera-se que os personagens coadjuvantes participem do desfecho, até porque eles têm uma função magérrima durante a maioria do filme. A obsessão do roteiro pelos encontros de Virgil e Claire (que se adoram, depois brigam, depois se adoram, depois brigam de novo) faz com que o amigo colecionador Billy (Donald Sutherland) e o amigo mecânico Robert (Jim Sturgess) tenham papéis pouco desenvolvidos, servindo apenas para que o protagonista tenha com quem falar sobre o seu novo amor, esclarecendo também ao espectador as novas etapas do jogo.

    O vai e vem entre o casal fóbico pode se tornar cansativo, mas pelo menos os atores são muito competentes em seus papéis. Rush sabe preencher os silêncios de seu personagem como ninguém (as cenas com a câmera fechada em seu rosto, no restaurante, são particularmente boas), e Sturgess cumpre com perfeição o papel do homem ambíguo, ora gentil com Virgil, ora agressivo com a namorada. Os diálogos são concebidos para personagens cultos, incluindo termos eruditos, mas todos conseguem transformar esse linguajar em algo natural.

    O Melhor Lance chama a atenção por sua produção polida, elegante, aristocrática. Os ambientes da mansão são mostrados com enquadramentos suntuosos, como se a câmera estivesse diante de uma obra preciosa. A iluminação é sempre perfeitamente recortada no rosto de Virgil, mesmo dentro de porões e sótãos, dando uma impressão de qualidade que beira o artificial. Mesmo os figurantes (como a mulher anã do café) são vistos como bonecos ou estátuas, pela imagem incrivelmente nítida e pelas cores cuidadosamente distribuídas pela direção de arte. Esta atmosfera rebuscada tem como intenção representar a alta sociedade, mas também acaba por engessar a dinâmica do filme. Neste sentido, este filme é o contrário do fragmentado, sujo e trash Em Transe, outro suspense passado no universo dos leilões de arte.

    Depois de tanto suspense e tantas promessas (de amor, de doença, de segredos, de riqueza), a narrativa apresenta o seu desfecho. A estrondosa reviravolta final é tão previsível quanto inesperada: ela vinha sendo anunciada pelos próprios personagens, várias vezes, mas era tão absurda que exigia grande credulidade do espectador para ser considerada viável. Pois bem, quando esta surpresa finalmente se materializa na tela, o público pode ter a dimensão do ridículo que ela representa. Além de enfraquecer diversas cenas anteriores (que passam a ganhar um novo significado), a solução adotada põe em cheque a verossimilhança da história.

    O diretor e roteirista Tornatore conduz um filme elegante durante a maior parte do tempo, até sucumbir à vontade pueril de ser mais esperto do que seu público, carregando em simbologias gastas (as engrenagens no café) e imagens pouco realistas (Virgil dentro da esfera). A conclusão não chega a invalidar todo o filme, mas contrapõe o tom adulto e refinado do início com uma solução juvenil, tornando a experiência menos satisfatória do que poderia ser.

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    Comentários

    • roberto
      Nayara, vc fez a leitura correta do enredo, alguns pontos eu já havia sacado e outros não, mas tem algo no final q só o diretor sabe...q nós não conseguimos entender...lembra q tem um determinado momento q a atriz (na lembrança do Virgil) diz q acontecesse o q acontecesse ela o amava?
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