É inegável a importância dos filmes do Homem-Aranha para ajudar a estabelecer esses universos cinematográficos que invadiram os cinemas na última década. Se os filmes estrelados por Tobey Maguire e dirigidos por Sam Raimi (com exceção do terceiro, é claro) foram responsáveis diretos por isso, os dois longas dirigidos por Marc Webb e estrelados por Andrew Garfield não tiveram a mesma sorte, por contar com uma história repetida em tão pouco tempo (dez anos) – mesmo o segundo filme sendo eficiente. Em vista do universo concebido nos filmes da Marvel Studios, envolvendo uma briga judicial com a Sony, que detinha os direitos das adaptações do héroi, era necessário um novo Homem-Aranha – e nossa resposta apareceu – ou melhor, roubou a cena – em Capitão América: Guerra Civil, com Tom Holland mostrando carisma e talento o suficiente com seu Peter Parker bem mais jovem do que seus protagonistas anteriores – talento e carisma que os dois anteriores também tinham, mas de forma que apenas funcionava nos formatos e propostas estabelecidos em seus longas.
A noticia boa é que De Volta ao Lar é, de fato, um bom filme do aracnídeo da Marvel – a má noticia é que, infelizmente, está um pouco distante de se tornar uma aventura tão marcante quanto Homem-Aranha 2 de Sam Raimi – que acredito não estar ousando em dizer que é um dos melhores filmes de super-herói de todos os tempos. O diretor Jon Watts tem boas intenções com sua direção – é visível seu controle de atores e de fluência para a narrativa – aliás, ele se apropria imensamente bem do humor, utilizando-o de forma que ajuda na construção dos personagens, obviamente, com mais peso no Peter Parker de Holland – suas trapalhadas em alguns casos – como ao sempre querer mostrar para Tony Stark (Downey Jr.) que já está apto para ser um integrante dos Vingadores – justificam sua personalidade, falácia (mais falastrão do que qualquer outra encanação live action do héroi) e suas inseguranças com relação à vida – com a boa atuação de Tom fica evidente como se trata de um personagem humano, com características que todos nos já tivemos ou vamos ter na vida – sua timidez para um encontro amoroso ou preocupação em ser um super-héroi em meio à correria de sua vida escolar são pontos bem mostrados do roteiro – escrito por cinco pessoas – que contribuem com boas e más ideias para o projeto.
O longa de Watts começa logo após os eventos finais de Os Vingadores, Adrian Toomes (Keaton) é o encarregado de limpar o prédio das Indústrias Stark após a batalha com os alienígenas em Nova York – ao ser praticamente demitido por executivos da empresa, ele reúne uma equipe que fica com diversas armas alienígenas, e decide planejar uma vingança contra Stark – se financiando ao traficar as armas. Pulando para os dias de hoje, somos apresentados a Peter Parker, que luta contra criminosos em Nova York – sempre tentando agradar ao Happy (Favreau), assistente de Tony Stark, para mostrar que pode ser um Vingador. Tendo que esconder sua identidade secreta de sua Tia May (Tomei) e lidar com seu melhor amigo, Ned (Batalon), que agora sabe que ele é Homem-Aranha, Peter precisa manter as boas notas na escola, tentar se declarar para sua paixão Liz (Harrier) e acaba por cruzar o caminho com Toomes, que se tornou o vilão Abutre e planeja destruir as Indústrias Stark.
Algo inegavelmente ótimo em De Volta ao Lar é seu elenco: Marisa Tomei estabelece uma relação bem sútil com Peter – não existe neste longa citações ao Tio Ben, por exemplo – demonstrando uma estrutura dramática não tão pesada – que funcionava nos dois primeiros filmes de Raimi, mas que ficou um tanto exagerada no segundo de Webb – Marisa ainda se beneficia de sua jovialidade, pois não é uma senhorinha em apuros como antes – sendo “alvo” de algumas piadinhas envolvendo sua beleza. E a participação de Robert Downey Jr. é bem eficiente e pontual – seu Homem de Ferro não “rouba” o filme de Peter Parker, tendo momentos importantes, mas discretos em demonstrar um tipo de cuidado paterno com Peter. Já Michael Keaton se mostra um vilão muito bem construído e motivado, ao conferir em seu Adrian Toomes um ar de indignação contra a exploração que algumas empresas parecem colocar sobre as pessoas – seu envolvimento e conflito com Peter será bem ajustado graças a uma pequena surpresa no inicio do terceiro ato.
Mais discreto com relação a sua história de amor do que os longas anteriores, o interesse amoroso de Peter, a Liz de Laura Harrier, também tem alguma importância na trama, mas uma outra moça terá sua relevância apontada apenas no final – e, ainda sobre o elenco, posso apontar como um pouco irritante o humor na concepção do Happy de Jon Favreau, um tanto sem expressividade em sua composição – mas quanto ao parceiro e melhor amigo de Peter, o Ned de Jacob Batalon, temos um achado – suas aparições demonstram um humor e empatia que nos remetem a sentimentos e pensamentos de como seriam nossas questões à um amigo que fosse o Homem-Aranha – sua espontaneidade é graciosa e cativante, quase roubando a cena de Tom Holland, que também se dá muito bem com o humor, como já citei.
Entretanto, como disse antes, o filme foi escrito por cinco pessoas – cinco ideias diferentes sobre uma mesma história – e, de fato, o peso disso é visível e atrapalha a narrativa do filme – como a concepção do novo uniforme do Aranha – uma roupa que mais lembra uma versão para o Homem-Aranha da armadura do Homem de Ferro, pelo fato de ter um “computador de bordo” ao estilo do Jarvis de Stark – com a voz de Jennifer Connely, o tal uniforme gera cenas praticamente descartáveis para a trama – inseridas apenas para garantir mais trapalhadas de Peter e também para irritar os fãs, já que não existe isso nem nas histórias em quadrinhos originais – aliás, até o clássico “sentido aranha” não é mencionado no filme. E, depois de quinze anos com Homem-Aranha nos cinemas, é desconfortável notar que suas animações digitais mostrando-o saltando entre prédios ainda ressoam artificiais e demonstrando, realmente, ser um boneco animado ao invés de um ator. Apesar do diretor não ter muita criatividade em criar planos para as sequências de ação, no geral, elas são eficientes, como a que se passa em Washington e a da balsa – mas, principalmente a segunda, sofre por um problema que filmes de super-héroi tem mostrado ultimamente: os trailers. Sim, a resolução da cena da barca já foi mostrada nos trailers, o que praticamente é um spoiler, deixando de impactar bastante devido a isso.
Bem cuidado em sua criação de personagens, mas pouco inspirado em suas criações visuais e de ação, Homem-Aranha: De Volta ao Lar não é tão bom quanto um Homem-Aranha 2, mas também não é tão fraco quanto um O Espetacular Homem-Aranha ou Homem-Aranha 3 – garante sua força por um elenco em bela sintonia e pela boa exploração das características humanas de um personagem que todos amam – por ser um sujeito muito próximo do que vivemos em nossas vidas “normais”.
*São duas cenas pós-créditos, a primeira para desenvolver o destino de um personagem deste filme e a segunda sendo uma das mais engraçadas da Marvel Studios, contando com a participação de um outro personagem da franquia!