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    Léo e Bia
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Léo e Bia

    Esquerda Festiva

    por Francisco Russo

    Léo e Bia não é um filme simples, a começar por sua proposta estética. Há um único cenário, o galpão de ensaio de uma companhia teatral, que serve para toda e qualquer função. Se é preciso retratar a casa de uma das personagens, eis o galpão. Prédio do governo para obter autorização para encenar uma peça? Lá está ele de novo. Se por um lado esta opção provoca uma certa limitação, por outro deixa os horizontes abertos para o tema o qual o filme melhor se baseia: o teatro. Não a arte em si, mas o espírito que ele proporciona nos jovens atores retratados.

    O ano é 1973, ou seja, em plena ditadura militar brasileira. O local é Brasília, capital do país. O grupo liderado por Léo é anti ditadura, mas faz parte do que eles mesmos chamam de "esquerda festiva", ou seja, formada por oposicionistas sinceros e semi-desinformados politicamente, que querem que tudo mude mas não arregaçam as mangas para tanto. Motivo de crítica? Que nada! Léo e Bia assume esta posição de forma honesta, escancarando o modo de pensar e agir de parte da juventude da época. Para eles o importante era fazer teatro, nada além disto. Esta forma apaixonada com que abraça a causa é o grande trunfo do filme.

    Há uma forte coesão entre os atores, fruto de cinco meses de ensaios antes das filmagens enfim acontecerem. Pode-se perceber uma intimidade nítida entre os integrantes do grupo, cada um deles apresentado ao público pela protagonista Paloma Duarte. Sim, é isso mesmo. Em determinados momentos do filme Marina, personagem de Paloma, conversa com o espectador. A quebra da famosa quarta parede do teatro é apenas um dos elementos não convencionais, usados na narrativa pelo agora diretor Oswaldo Montenegro em sua estreia no cinema. Se por um lado pode provocar um certo afastamento, por não estar acostumado com o modo como a história é contada, por outro dá um charme extra que incita ainda mais a decifrar o que é aquela junção de elementos vista em cena. Porque Léo e Bia, ao contrário do que possa parecer a princípio, não é teatro filmado mas usa vários elementos do teatro para fazer cinema. Trata-se de uma linha tênue, que pode ser notada mais claramente em momentos em que a linguagem cinematográfica interfere no andamento da história, seja através da edição por vezes picotada ou dos espirituosos comentários escritos na tela.

    A mescla entre teatro e cinema dá a Léo e Bia um ar de novidade, mesmo que seus artifícios não sejam inovadores. Vários elementos cênicos são usados para dar dramaticidade às cenas, seja através do empilhamento de cadeiras ou uma cama de gato com cordas, para simular aprisionamento, ou o figurino inspirado em tesouras, para dar um visual típico ao censor. É o teatro em prol do cinema, auxiliando a contar uma história alegre e de muita amizade, que não deixa de lado difíceis problemas pessoais. Neste ponto, o roteiro se sobressai.

    Há um punhado de frases primorosas, que representam de forma precisa o momento retratado e características da sociedade. Algo tipo "ditadura não tem a ver com sexo, mas com estupro", "onde houver mulata não haverá nazismo" ou "todo gay aprende desde cedo a guardar segredo". Para trazer à tona os problemas enfrentados, vale também ressaltar a qualidade do elenco. Vitória Frate confirma o talento demonstrado em Era Uma Vez e brilha quando justifica um atraso. Françoise Forton rouba a cena sempre que está presente, compondo uma mãe opressora. Fernanda Nobre se destaca quando precisa, em um exercício de dramaturgia, interpretar a pior situação pela qual já passou. E Paloma Duarte brilha com seu sorriso radiante, perfeito para o clima festivo que os próprios personagens representam.

    Léo e Bia é um filme bastante divertido, que usa uma forma não convencional para apresentar a história de um grupo que sofre com os problemas de sua época, mas jamais desiste de sonhar. Vale a pena assistir, nem que seja apenas para ver a cena da canção de bajulação ao professor. Antológica.

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