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    Na Neblina
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Na Neblina

    Forma e conteúdo

    por Bruno Carmelo

    Durante pelo menos uma hora de projeção, o espectador que não tiver lido uma sinopse ou outras informações sobre Na Neblina pode ficar perdido. Existe um ambiente de extrema tensão, enquanto os diálogos trazem frases como "Você não deveria ter feito isso", "Eu não tive culpa nenhuma", "Eu não preciso de mais um sofrimento, depois do que aconteceu". Os personagens sabem exatamente do que estão falando, mas o contexto é ocultado ao espectador. Como um paciente estrategista, o cineasta Sergei Loznitsa envolve seu filme em um longo mistério.

    Aos poucos, com idas e vindas na história, começam a chegar informações para completar o quebra-cabeça. Cenas que pareciam absurdas no início – Por que Sushenya aceita cavar a própria cova, por que Burov destrói o próprio carro? – ganham explicações verossímeis. Estamos em um drama de guerra, ou para ser mais exato, em um conto moral passado durante a Segunda Guerra Mundial. No centro desta história, o ferroviário Sushenya (Vladimir Svirskiy) foi poupado da fúria dos alemães, que enforcaram seus colegas de trabalho. Mas sua sina é ainda mais cruel: por ter sido o único liberado, todos os seus amigos e familiares acreditam que ele colaborou com o regime inimigo, sendo assim um traidor. Pior do que lhe dar uma morte digna e heroica, os nazistas condenam-no ao isolamento e ao ódio de suas pessoas mais queridas.

    Na Neblina desenvolve este contexto de maneira simples, em praticamente um único cenário: uma densa floresta, onde o protagonista é conduzido por dois homens do vilarejo que pretendem matá-lo. O cineasta sabe usar muito bem o espaço, focando-se no rosto dos personagens, deixando o cenário ocupar as beiras do widescreen. As paisagens abertas tornam-se sufocantes, e a luz do dia é uma ameaça – afinal, os três russos podem ser vistos e atingidos pelos alemães. A qualquer momento, Sushenya pode ser morto pelos dois lados, tanto pelos nazistas quanto pelos próprios russos e bielorrussos. Este personagem trágico é interpretado pelo excelente Vladimir Svirskiy, ator de rosto expressivo e postura corporal naturalista. Muitas vezes, Loznitsa contenta-se em enquadrar seu rosto, quando ele observa algum inimigo com indignação. Como o ator rouba qualquer cena em que aparece, o diretor é esperto o suficiente para colar sua câmera nele sempre que possível.

    São igualmente excepcionais os aspectos técnicos da produção. O cinema russo está cheio de diretores maneiristas e formalistas (Andrey Zviaguintsev, Alexandr Sokurov), mas o bielorrusso Loznitsa é tão rigoroso quanto clássico. Usando uma fotografia contrastada, película bastante sensível e um rico trabalho de som ambiente, o diretor aposta em um realismo claustrofóbico, perfeitamente condizente com os dilemas humanos em jogo. Em nenhum momento a câmera faz algum movimento mirabolante, tampouco a trilha sonora chama a atenção para si mesma. A direção é consagrada à sua narrativa, em uma combinação impecável entre forma e conteúdo.

    Na Neblina é um filme que não se desvenda facilmente. Esta é uma produção provocadora, cerebral, que exige esforços e participação ativa do público. Isto é possível porque o cineasta sabe muito bem onde colocar sua câmera, em qual ângulo, e quanto tempo deve durar cada imagem para produzir o efeito desejado – vide a chocante e belíssima cena final. Sem ser hermético nem pretensioso, o filme tem o mérito de dedicar o amplo domínio cinematográfico do seu diretor a uma história complexa, pensada sempre em função do espectador. É justamente isso, no fim das contas, que se espera de toda grande obra.

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