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    Eu e Você
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Eu e Você

    Pequeno filme de afetos

    por Bruno Carmelo

    A história deste drama é simples, até demais: Lorenzo é um adolescente introspectivo que decide passar as férias escolares preso no subsolo do prédio onde mora, sem conversar com ninguém. Até chegar inesperadamente Olivia, sua irmã distante, mais velha e excessivamente conectada com o mundo exterior – ela é dependente de drogas, se prostitui – destruindo os planos do garoto. O filme não acompanha a vida da irmã, nem fornece grandes explicações para a solidão do garoto (não, ele não tem problemas familiares, não, ele não sofre bullying na escola), evitando explicações prévias para seu comportamento.

    A princípio, esta pode parecer uma história realista, mas não tardam a aparecer os traços irreais, sugerindo algo próximo do realismo fantástico. O porão/garagem onde Lorenzo se isola é estranhamente grande, iluminado, com todos os elementos necessários à disposição (cama, eletricidade, banheiro interno, geladeira funcionando etc.). Quando ele se muda para o local, o porteiro do prédio sugere um eventual perigo, mas em seguida a portaria do prédio fica sempre vazia. Quando o garoto olha para a janela que abre à rua, ninguém o vê, nem mesmo a mãe, embora a abertura seja bastante grande.

    Percebe-se então que Bernardo Bertolucci facilita a vida para os seus personagens, retirando o suspense do tipo “Será que vão descobrir o esconderijo do garoto?”. Existe a intenção de criar um mundo à parte, com a direção de arte, a luz e a montagem feitos sob medida para seu personagem, para corresponder ao seu mundo ideal. Nada virá perturbá-lo em seu percurso. Nesse sentido, Eu e Você (belo título) é uma produção introspectiva, afetuosa. Quanto à aparição de Olivia (único grande conflito), a cena é rápida e ocorre logo no início da trama. Depois disso, o filme se contenta em observar a interação entre os dois.

    A câmera do cineasta observa os jovens com imenso interesse. Eles não são pessoas imaturas que vão se tornar adultos melhores, nem são irmãos incompletos que vão se realizar com a descoberta do amor fraterno. É delicioso ver que nenhum deles se transforma. A narrativa aceita a solidão, o vício em drogas, a prostituição, o apego a objetos inanimados como parte integral da personalidade dos dois. O roteiro ainda brinda Lorenzo e Olivia com diversos itens e objetos (caixa de formigas, cachorro de resina, camas dobráveis, roupas de todos os tipos) para se entreterem como quiserem. Este porão é o parque de diversões dos depressivos e solitários.

    Acima de tudo, a minúscula trama de Eu e Você funciona como uma versão mais carinhosa de Os Sonhadores, filme que Bertolucci dirigiu quase dez anos atrás. Este filme anterior era grandioso, repleto de temas importantes, de desejos e fetiches explícitos (a cinefilia, a nudez, o peso da representação histórica). Já o novo drama foge da inserção social para mergulhar na personalidade fascinante dos dois personagens. Os novatos Jacopo Olmo Antinori e Tea Falco estão ótimos em seus papéis, sem jamais cair na caricatura. No final, pouco importa onde Lorenzo e Olivia vão chegar, onde vai acabar essa trama. Neste sentido, pelos prazeres do percurso, a narrativa funciona como um road movie imóvel, uma jornada dentro do porão.

    São raros os diretores consagrados que ousam fazer um filme tão simples, tão reduzido em espaços, personagens, tramas, e ao mesmo tempo tão cheio de significados. Bertolucci consegue compor planos belíssimos em sua cena teatral, e colocar uma quantidade equilibrada de trilha sonora. O momento em que os dois irmãos dançam uma música lenta, colados um ao outro, é provavelmente o momento mais belo que vi no cinema neste ano. Já a conclusão deve ficar marcada no espírito do espectador por um bom tempo - o cineasta não poderia ter escolhido um desfecho mais belo e poético. Em sua pequenez, Eu e Você é um filme imenso.

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