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    A Arte de Amar
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    A Arte de Amar

    Adoráveis traidores

    por Bruno Carmelo

    É difícil não pensar em Woody Allen quando se vê A Arte de Amar. Não o Allen contemporâneo, cosmopolita e otimista, mas aquele Allen dos anos 70 e 80, que adorava as cirandas de personagens adultos, urbanos, neuróticos e melancólicos. O gosto pelos diálogos afiados e o olhar agridoce à classe média encontram uma excelente representação nesta comédia francesa.

    O título faz referência ao poeta Ovídio, cujo manual "Arte de Amar" ensinava técnicas de sedução. O filme empresta do formato literário a divisão em conselhos amorosos, que nomeiam cada episódio: "É preciso esconder suas infidelidades", "Nunca recuse o que lhe é oferecido", etc. Da literatura, também são extraídos os diálogos afetuosos e a narração poética, como é o caso do belíssimo conto inicial, "Não há amor sem música".

    É curioso que todas essas histórias de amor estejam ligadas, de alguma maneira, à traição. Contra a moral católica francesa, e sua imposição de monogamia e fidelidade, e este filme prefere abordar com naturalidade outras manifestações possíveis de afeto: uma amiga empresta o namorado para outra, que não faz amor há muito tempo; uma mulher se passa por outra durante o sexo, que ocorre no escuro; um casal que se ama muito decide que os dois devem se trair na mesma noite, para enfrentarem juntos as dores da infidelidade.

    Fala-se muito em sexo, mas o filme traz palavras e imagens cândidas, sem nudez nem termos chulos. Este amor idílico e farsesco tem como maior fonte de humor a frustração: embora todos queiram trair, nenhum personagem consegue fazê-lo. O importante aqui não é o ato sexual, mas os fantasmas e desejos projetados no sexo. A suposição da infidelidade pode ser tão dolorosa quanto a infidelidade em si.

    Esta ciranda de adultos falhos é representada por um formidável grupo de atores, que já frequentam há anos o universo lúdico do diretor Emmanuel Mouret. Frédérique Bel, Judith Godrèche, Julie Depardieu e outros são construídos como pessoas infantis, tão imaturas quanto ingênuas, inocentes. O diretor revela um carinho imenso por cada um dos personagens em tela. Já os atores equilibram com perfeição o ritmo rápido da comédia com a lentidão do drama.

    Se há algo que Mouret domina, é justamente o ritmo, o tom. Tudo é perfeitamente coeso, da direção de arte à música, passando pelos enquadramentos simples e inteligentes, capazes de utilizar muito bem os espaços internos: corredores, cômodos, entradas. O diretor sempre separa seus personagens por colunas, batentes de portas e outros elementos da própria casa onde ambos vivem. Sem nenhuma estilização, A Arte de Amar consegue ser elegante, inteligente e muito agradável.

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