O melhor da proposta apresentada por Guy Ritchie, está na total despretensão e despreocupação com os amantes ou idólatras dos contos clássicos ligados ao universo medieval do Rei Arthur, é evidente seu desejo de apresentar uma estória que dialogue com os tempos atuais, principalmente em criar um blockbuster que atenda aos desejos de um público jovem, despertando nesse mesmo público, o interesse em acompanhar uma nova franquia de filmes. Guy entrelaça ambiciosamente aos interesses de uma grande produção de estúdio, uma qualidade visual e de narrativa características ao estilo do diretor. Em resumo, um filme com pretensões artísticas e comerciais, e que consegue falhar em ambos aspectos, o que talvez tenha gerado tantas críticas negativas, mas que fazem de “King Arthur” um curioso caso a ser observado e que já vale dar aquela conferida no filme. Destaque para a "hip-hop montage" que retrata o avanço da infância até a fase adulta do Rei Arthur, um trabalho primoroso e característico da montagem acelerada de Guy Ritchie.
Guy Ritchie é um cineasta inglês que despertou a atenção de muitos em 1998, com o lançamento do seu segundo filme: “Lock, Stock and Two Smoking Barrels”. Evidencia-se neste trabalho, marcas que se tornaram singulares ao estilo de Guy, e que consequentemente estão presentes em “King Arthur: Legend of the Sword”, tal como uma edição de imagens abruptas, com cortes secos, rápidos o uso frenético das imagens e que se expressam pela utilização de uma câmera muito pontual cujos planos são regidos em grande parte pela edição e contando com uma movimentação de câmera e de planos na medida que as personagens avançam, isso é, uma perspectiva de acompanhamento, o seguir de um ponto ao outro. Uma linguagem arrojada, muito proximal ao dos videoclipes e dos videogames, que por vez gera uma dualidade contraditória em “King Arthur”, pois, ao mesmo tempo, que é interessante e diferenciado ter uma história medieval, que já contada e recontada tantas vezes e de modos tão próximos, aqui, no filme de Guy, ela é mais remodelada.
Para remodelar essa história, o diretor renuncia a qualquer preciosismo literário ou de caráter intocável diante uma história secular, ao contrário disso, ele a moderniza e expressa isso em vários âmbitos, no figurino, por exemplo, utiliza o recurso da moda atemporal, trazendo traços de modernização às vestimentas, gerando leveza e mobilidade para auxiliar nas cenas de ação, nosso Rei Arthur agora é um homem que exibe os traços de seu corpo, utilizando camisas que exibem o seu peitoral sarado. A trilha sonora é um show à parte, assinada por Daniel Pemberton e contando com músicas que vão de "Babe I'm Gonna Leave You", do Led Zeppelin, misturando estilos clássicos musicais da cultura nórdica, do trovadorismo, da música polifônica com seus órganon’s e com composições próprias e uma trilha incidental repleta de sons graves, de referências ao heavy metal que lembra algo de “Mad Max” e principalmente pela inserção de um som, que no filme se misturam ao bramido de elefantes e seu efeito de trompas e ao “BRAAAM”, criado por Mike Zarin para o filme “Inception” e que se tornou febre e recurso praticamente obrigatório para os filmes de ação, suspense e de traços épicos.
Claro que essa modernidade expressa em todas os setores que englobam um filme, se tornam ainda mais marcantes na direção e na fotografia, justamente em ambos setores onde o filme mais desliza e comete seus erros. Na busca de modernizar “Arthur”, Guy remodela essa história clássica ao estilo de games, mas esquece o apelo crucial dos jogos, onde o público é ao mesmo tempo, espectador mais jogador ativo do game, já no filme, somos com toda a carga que isso exerce, espectadores, por isso, em cenas como da fuga do Rei Arthur e de seus companheiros, na qual Ritchie insere uma câmera subjetiva e aos moldes daquelas mini-câmeras esportivas e acopladas na lateral (ombro), dos atores, captando uma imagem de fuga comum aos consoles e que também deram fama ao filme “The Hurt Locker”, 2008, porém, ao se apresentar nesse único momento do filme, explicitam o caráter de uso artificial e de excesso em “King Arthur”, ambos gerando momentos constrangedores como na sequência final, onde “Arthur” (Charlie Hunnam) luta contra o exército de seu tio “Vortigern” (Jude Law), ao invés de uma coreografia ou qualquer outra possibilidade de luta real, temos uma inserção barata de gráficos 2D muito mal realizadas e que geram vergonha, já que este é o grande momento de embate e o ápice que o roteiro incansavelmente aponta, principalmente pelas cenas de lutas nunca se realizarem efetivamente.
O filme já inicia com um prólogo interessante que une uma breve explicação de fatos importantes e necessários para o conhecimento e posterior entendimento do público, e também introduz alguns personagens, os mais conhecidos da mitologia Arturiana (Merlin, a Senhora do Lago e Mordred), que durante o filme são citados e reaparecem em piscadelas, no claro interesse da franquia do filme, já que ele originalmente a ideia é de contarmos com seis produções. Enfim, nesse prólogo onde é traçada a grande batalha de Uther Pendragon (Eric Bana), o pai de Arthur e o rei da Grã-Bretanha contra Mordred (Rob Knighton), o traidor do Rei e do povo, neste embate toda uma Mise-en-scène de grande confronto é estabelecida como ápice inicial, o problema é que ela não acontece, na boa vontade do público pode ser encarada como uma forma de sinalizar a grandiosidade do Rei Uther, que prefere se entregar ao confronto, poupando seu exército e povo, mas, essas interrupções de batalha ocorrem em todos os momentos do filme, elas são estrategicamente apresentadas, mas nunca encenadas por uma questão de direção, que sempre fica em uma negação, seja pela não realização física em detrimento de uma realização gráfica ou por outras questões que inviabilizariam esse momento, embora seja estranhas diante a dimensão orçamentária e das indicações do roteiro.
A computação gráfica é outro aspecto interessante em “King”, assumindo muitas vezes a direção do filme, pois, nas grandes cenas de luta ou combate, cenas importantes e esperadas com expectativas pelos fãs desse gênero, já que são elas características marcantes de filmes épicos e da ação, pois bem, elas são entregues a computação gráfica, que em grande parte é realizada de forma magistral, mas que questiona os limites e a capacidade de Guy como diretor, até na característica mais marcante de Guy, do virtuosismo técnico, são assumidos agora pelo recurso gráfico e explorados em demasia de tempo e de recurso narrativo que só geram confusão, cansaço e novamente a superficialidade marcantemente empregada ao filme, resultado até nas atuações regidas por construções estereotipadas. Jude Law como Vortigern, beira ao infantil de um vilão que não consegue ser justificado, sua ambição, suas motivações e vilanias são mais fracas, comparadas a um vilão de desenho, pois, tudo que Vortigern faz é sobre uma ação pontuada apenas pelo fazer, algo que tão pouco Charlie Hunnam consegue com o seu Rei Arthur, o carisma do ator é notório e seu esforço é visível, porém, inútil diante a superficialidade de um personagem e de uma estória que acaba por ser mais fantasia.
“King Arthur: Legend of the Sword” ao tentar ser moderno se perde em sua própria virtude fragmentada, gerando um filme fantasioso e sem traços de querer ser história, mesmo tendo como base uma (por sinal riquíssima), e acaba gerando um produto sem foco, mas que atira para todos os lados e colocando em dúvida o explícito desejo de seu fim, estimular o público a acompanhar as próximas histórias que virão dessa franquia, já que a incapacidade de se ater a ideia original, de contar a lenda da espada do Rei Arthur, que acaba sendo logo retratada, dando espaço para um roteiro que enrola diante uma missão encerrada que não precisa e nem quer contar mais nada.