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    Tropa de Elite
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Tropa de Elite

    Osso Duro de Roer

    por Roberto Cunha

    O filme de José Padilha chegou nas salas escuras turbinado por uma outra caveira: a da pirataria. Tem gente que acha que tudo não passou de um golpe de marketing. Se foi, pouco importa. Porque triste mesmo é perceber como o brasileiro cultua a mania de se dar bem em tudo. Assistir - ou comprar - um filme pirata é fazer parte de um crime. Está na hora das pessoas se tocarem disso. Volto a dizer, não sou contra quem copia para acervo. É assim desde os tempos das fitas cassete e não vai mudar. Mas copiar para ganhar dinheiro é crime e ponto final. São situações diferentes. Agora, vamos ao filme. Tropa de Elite já começa (perdão pelo trocadilho) atirando para todos os lados. Não suporto o ritmo, a letra (?) e nem considero música, mas é inegável que abrir o filme soltando o "pancadão" foi escolha mais do que acertada. Até porque situa o pessoal da poltrona e escancara a realidade das favelas cariocas. A abertura com parte dos créditos vem na seqüência, resgatando um hit do Tihuana e aí, meu caro, você já se dá conta de que o sucesso desta produção não é obra do acaso. É obra de mestre. Mexer na cronologia e brincar com o tempo ao desenrolar a trama não é novidade. Cidade de Deus usou o mesmo recurso, mas evidencia que existem brasileiros que sabem fazer filme fora dos padrões, sem ser "tati-bi-tati", e com qualidade. Embora narrado a maior parte do tempo, o recurso não deixou o resultado cansativo. Isso já é mérito de sobra. Outro ponto que vale o registro é a figura do antagonista, que não existe. O vilão é a situação que o protagonista se encontra. E a voz do capitão em off lembra você logo no início: "...ou se corrompe, ou vai para a guerra." São muitas pérolas no filme e todas, sem exceção, fazem você mergulhar no submundo da corrupção no Brasil. Porque o filme retrata a polícia do Rio, mas espelha uma situação endêmica no País. A questão, por exemplo, do convívio e - também envolvimento - de estudantes de classe média alta com o tráfico suscitou uma boa discussão. E quando revela o pensamento dos jovens de um curso de Direito, criticando a polícia por seus atos, mostra a inversão de valores que é a raiz quadrada de uma visão obtusa que a sociedade - de uma maneira geral - tem de si mesma. Quem corrompe é bandido. Ponto. E capitão Nascimento pensa assim e "passa o dedo" em quem ajuda traficante a se armar. O elenco está sublime. Desde os "elementos" Caio Junqueira e o estreante André Ramiro como também o "meliante" Baiano, vivido por Fábio Lago. Fábio, aliás, é o nome do personagem vivido por Milhem Cortaz (Querô, A Concepção) e responsável por várias passagens hilárias como aquela que ele sintetiza o leva e trás de defuntos, por policiais, como "é a guerra da carne". Seria mais cômico se não fosse tão trágico. Denúncia. O humor está presente em boa parte da trama e isso atenua o peso do tema. O sarcasmo é marca registrada em ótimas tiradas, como quando o coronel é passado para trás e Nascimento sentencia: "...ia fazer o que? Chamar a polícia?" Outro ponto bastante peculiar é na subida do morro, quando o Bope chega e o PM solta: " faca na caveira e nada na carteira." As cenas de violência são bem fortes. Tapas na cara, perdigotos de montão, tiros, microondas, torturas, tudo com muita dose de realidade. Quando o protagonista fala em tom irônico que o Bope, às vezes, parece uma seita, ele toca num ponto que se perdeu no tempo e virou uma ferida que não fecha. Afinal, entrar para uma corporação que representa a lei deveria ser mesmo repleto de rituais, simbologias e objetivos a seguir. De uns tempos para cá, e cada vez mais, isso se perdeu. Talvez o fascínio que o personagem tenha exercido sobre as pessoas seja esse resgate fictício, ou não, desses símbolos. É a justiça chegando como acontece nos filmes de mocinho e bandido. Só fica difícil saber em Tropa, na verdade, quem é o bandido? A edição é ágil e o som é porrada pura. A trilha (REM, Titãs, etc) foi bem escolhida e só destoou - de leve - a inclusão do hit dos anos 80 "Brilhar a Minha Estrela - Dá Mais Um" (expressão alusiva ao uso de drogas), do grupo Sangue da Cidade. O treinamento rendeu ótimas seqüências, diálogos e tiradas. Desde a reunião para falar dos recrutas, quando uma conjuntivite (provavelmente verdadeira) é objeto de piada e descontração na mesa. É nítido o entrosamento do grupo. E o que dizer da afirmativa/negativa do capitão "Nunca serão!"? Impagável. Não dá para negar, o filme tem timing perfeito. Nada de barriga. É pau puro. Como tem que ser. Parabéns aos realizadores. Desde já, figurando na elite do cinema nacional como uma tropa de responsa. Osso duro de roer.

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