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    Pasárgada
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Pasárgada

    Atriz Dira Paes estreia como diretora em meio à floresta em drama cercado pelo som dos pássaros.

    por Aline Pereira

    Há sempre (ou quase) algo de interessante em acompanhar as empreitadas de atores do outro lado da câmera e entender como a visão artística da interpretação pode se transpor para a criação. Aqui, falando de Pasárgada, a palavra para essa passagem seria “encanto”. Pouco antes de completar 40 anos desde sua primeira aparição no cinema, em A Floresta das Esmeraldas, Dira Paes assinou seu primeiro filme como diretora e roteirista em uma história que é de ar fresco, mas também de enclausuramento.

    A protagonista de Pasárgada é a ornitóloga Irene (Dira Paes), uma especialista em estudo das aves que está mergulhada em uma pesquisa em meio à floresta da Mata Atlântica. Isolada e solitária, a mulher tem a companhia de duas figuras locais, Ciça (Ilson Gonçalves) e Manuel (Humberto Carrão), guia da região que auxilia Irene em sua exploração. O processo da pesquisa, é claro, vai muito além da observação do comportamento animal e a própria Irene se torna um objeto de estudo para o público.

    Embora silenciosa e sorrateira, a presença da protagonista naquele ambiente tem consequências práticas – que prefiro não detalhar para evitar spoilers de uma experiência que é satisfatória a quem assiste – e a mistura de seu papel de observadora, predadora, entre diversas outras relações animais e humanas, é o grande motor para a atmosfera de Pasárgada. A floresta pode até dar uma sensação de infinitude aos olhos, mas há também uma sensação de prisão sem fim que envolve nossa personagem principal.

    Pasárgada tem protagonista enigmática

    Bretz Filmes

    O pouco contato que Irene tem com pessoas que não estão fisicamente presentes deixam claro o sentimento de isolamento que ela vive, assim como a proximidade e conforto que faltam nos diálogos dão a deixa de que Irene está fugindo e se escondendo – de que? de quem? Dos outros e de si em alguma medida. Nesse sentido, a atuação contida de Dira Paes forma um contraste de impacto com a escala das imagens que ela decide registrar como diretora: tudo ao redor de Irene é gigante, mas ainda assim temos uma personagem “enjaulada”, refém.

    À medida em que vamos conhecendo Irene, quem ela é, como lida com o trabalho e com seus coadjuvantes em cena, vem também uma transformação em nossa percepção sobre ela. Longe de ser um “preto no branco”, o longa nos desafia a exercitar um tipo de compreensão que é incômoda. Ganância, instinto, racionalidade e proteção são algumas das questões que surgem no desenrolar do drama.

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    Apesar de, no fim das contas, ter embarcado no papel da personagem nessa trama, senti falta de alguma firmeza. Leva muito, muito tempo até que, de fato, a história encontre seu rumo, o que dificulta uma conexão que penso que seria importante para a “gravidade” que está no coração da trama. Há temas latentes, relevantes e urgentes em discussão, mas tudo é proposto uma forma etérea e distante.

    Irene está longe de ser uma super-heroína em Pasárgada e quanto mais suas contradições vão aparecendo, mais intensa foi a minha curiosidade em observá-la. Peço desculpas pelo paralelo óbvio, mas é como se nesse caminho, o público é quem precisasse tomar nota e estudar aquela figura. Uma boa aposta para trazer o fator engajamento a uma trama que é, sobretudo, de contemplação – nem sempre o ritmo flui tão bem, mas passa longe da monotonia.

    Filme de Dira Paes é uma experiência sensorial

    Não à toa, Pasárgada levou o troféu de Melhor Design de Som em sua estreia no Festival de Gramado 2024. Toda a parte auditiva do longa é mesmo impressionante e a experiência sonora que chega a quem está assistindo é vívida e intensa – características que fariam muita falta caso não aparecessem na história. O trabalho de Irene como ornitóloga, claro, tem o som dos pássaros como fator imprescindível e no ambiente da sala de cinema em que assisti ao filme, não só o canto das aves preencheu o lugar, mas também os sons da água, das árvores, das vozes dos personagens em meio ao silêncio.

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    O mesmo vale para o quesito visual: não é que Pasárgada tenha encontrado uma forma muito diferente do habitual para retratar a natureza e a beleza do cenário, sem dúvidas, ajuda e fala por si só. O contraste que mencionei antes, entre a dimensão do ambiente e da protagonista, é que dão a pitada mais particular e, no fim, cumpre o objetivo de envolver o espectador na narrativa.

    No poema de Manuel Bandeira que divide o título com a obra de Dira Paes, Pasárgada é o éden onde está a felicidade, a beleza e a paz. A salvação do poeta de seu próprio sofrimento. Na história de Irene, este paraíso também nos é mostrado em tela, mas a calmaria está sempre em ameaça.

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