Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Pérola

O amor pela mãe vira arte

por Katiúscia Vianna

É comum atores se transformarem em diretores. A paixão pela arte transcende a quarta parede e muitos são encantados pelo processo de fazer cinema e TV. Essa transformação já nos rendeu cineastas maravilhosos (alô Clint Eastwood!) e parece ter encontrado mais um talento. “Encontrar” talvez não seja a palavra certa, já que todo mundo sabia como Murilo Benício é talentoso. Só que o ator de sucessos — como O Clone até o recente Pantanal — também está mostrando ter habilidades atrás das câmeras. Após o elogiado O Beijo no Asfalto, ele retorna para a cadeira de direção com Pérola, que tem todo o potencial de conquistar o povo brasileiro.

Qual é a história de Pérola?

A história acompanha o relacionamento entre uma mãe, a Pérola do título (Drica Moraes), e seu filho, Mauro (Léo Fernandes). Após receber uma notícia trágica, ele retorna para seu antigo lar em Bauru e começa uma jornada nostálgica, lembrando de momentos com sua família — principalmente com a matriarca, reluzente como seu próprio nome. Nisso, ele reflete sobre sua própria vida e sexualidade.

Por sua vez, Pérola é uma mulher irreverente, de personalidade forte, que adora uns drinques e tem diversos “dias mais felizes de sua vida”. Ao longo de três décadas, acompanhamos a evolução desse grupo (mãe, pai, filho e filha) desde o momento que eles decidem morar num casarão em Bauru, o qual Pérola quer transformar numa mansão com piscina. Só que, como acontece em toda reforma, isso demora anos para acontecer; e a vida ao seu redor muda também.

Pérola (o filme) é uma adaptação da peça homônima de Mauro Rasi, um dos nomes mais elogiados do teatro nacional. Na versão dos palcos, Vera Holtz interpretou Pérola (a personagem), passando o bastão para Drica Moraes nas telonas. Além de dirigir, Murilo Benício também ajudou no roteiro, numa colaboração com Adiana Falcão, Jô Adu e Marcelo Saback (esse último já conhecido por sucessos do cinema, como De Pernas pro Ar e S.O.S. Mulheres ao Mar).

Murilo Benício constrói algo universal em Pérola

Se você perguntar para algum gringo citar uma mãe dos cinemas, podem surgir nomes como Sarah Connor de O Exterminador do Futuro até Norma Bates de Psicose (numa espécie de trapaça). Já a grande maioria dos brasileiros vai responder sobre Dona Hermínia, a incrível personagem do saudoso Paulo Gustavo que se tornou parte da nossa cultura popular. Logo, a competição é difícil na hora de falar sobre maternidade de forma humorada no cinema brasileiro. Mas não é que Pérola (o filme) conseguiu acertar?

O filme de Murilo Benício soube traduzir, de maneira satisfatória, o texto de Mauro Rasi para as telonas. Por ter uma estrutura não-linear, alguns momentos de Pérola (o filme) se tornam meio confusos, principalmente aqueles mencionados após a saída de Mauro da sua casa. Porém, isso pode ser perdoado diante do carisma e da identificação com sua personagem principal.

Afinal, Pérola (a personagem) atinge bem no coração, fazendo o público lembrar de suas próprias mães. Por exemplo, quando ela é cismada com alguma coisa que repete todos os dias, ou por falar mal da visita assim que a pessoa vai embora, ou pedir pra não desligar a televisão, mesmo quando estava claramente dormindo na frente da tela. Surge uma série de “esquetes” focadas nessa família, que poderia muito bem fazer seu próprio reboot de A Grande Família. Pérola (a personagem) é a estrela, mas é impossível não se apaixonar pelo seu animado marido ou pela filha rebelde caída de amores por um genro religioso. Benício cria seu próprio universo (com direito às tias fofoqueiras), apoiado por uma impecável direção de arte e figurino.

Drica Moraes brilha como Pérola

Porém, Pérola (o filme) poderia ser um desastre sem a atriz correta para o papel principal. Surge então Drica Moraes numa das melhores performances de sua carreira. Sério, essa mulher é uma força da natureza. Pérola (a personagem) é longe de ser perfeita, mas ela é retratada com maestria por sua intérprete, sempre deixando claro como ela é movida por amor e felicidade. E pelo sonho de transformar sua mansão com piscina, é claro… Quando a câmera está nela, é impossível não ficar encantado por essa atuação, criando uma personagem tão única, mas também reconhecível para qualquer pessoa que tem lembranças com sua própria mãe.

Moraes é cercada por grandes talentos. Léo Fernandes tem muita responsabilidade nos ombros como Mauro, mas carrega bem o personagem. Seu relacionamento com a irmã (uma carismática Valentina Bandeira) também aquece o coração daqueles que conviveram com irmãos, mas também mostra alguém que está numa busca eterna pelo próprio destino. Porém, existem outras duas figuras essenciais para contar essa história.

Rodolfo Vaz interpreta o pai da família, alguém completamente apaixonado pela esposa e por uma bebida; que tem noção de como Pérola brilha por si só, e que está ali para apoiá-la, nunca ofuscá-la (dica: aprendam com ele, homens!). Já Claudia Missura traz emoção e simpatia para a irmã de Pérola, figura essencial naquela casa, e responsável por alguns dos momentos mais dramáticos da trama.

Vale a pena ver Pérola?

O curioso da carreira de direção do Murilo Benício é ver como ele trouxe abordagens completamente diferentes para duas adaptações cinematográficas. O Beijo no Asfalto brinca com a metalinguagem, num estilo preto e branco. Já Pérola (o filme) é uma explosão de cores, piadas e emoções — se aproximando mais da teledramaturgia. Particularmente, gosto mais da ousadia de O Beijo no Asfalto, mas não posso negar a emoção familiar que surgiu em meu peito vendo Pérola (o filme e a personagem).

Claramente, Pérola (o filme) é uma carta de amor para todas as mães. Mas, se existe alguém que merece todo o reconhecimento possível, é uma mãe amorosa, não é mesmo? Então, depois de conferir o longa e ler esse texto, obrigada pela atenção até aqui, mas está na hora de ligar para a figura matriarca de sua família, se ainda for possível. Se não, relembre os momentos felizes, pois isso ninguém pode apagar. Inclusive, fica aqui o meu beijo pra minha mãe: te amo, viu?

*O AdoroCinema assistiu ao filme no Festival do Rio 2022.