Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Tudo Bem no Natal que Vem

Um Natal bem brasileiro

por Vitória Pratini

2020 tem sido um ano, no mínimo, difícil. Frente a tantos desafios e consequências da pandemia do coronavírus, chega o primeiro filme natalino nacional da Netflix. A comédia Tudo Bem no Natal que Vem aposta em uma mistura do humor caricato de Leandro Hassum, “viagem no tempo”, uma ceia de Natal bem brasileira, uma mensagem motivadora e uma reviravolta que puxa o tapete dos desavisados. O resultado é uma mistura de Feitiço do TempoUm Homem de Família e o clássico natalino A Felicidade Não se Compra com uma pitada de família tradicional brasileira.

Leandro Hassum repete a parceria com o diretor Roberto Santucci e o roteirista Paulo Cursino — com quem trabalhou em grande parte da sua carreira, incluindo as franquias Até que a Sorte nos Separe e O Candidato Honesto. Tal colaboração, desta vez na Netflix, garante a assinatura humorística do ator, repleta de improvisos, caras, bocas e deboche, o que cabe bem no roteiro e arranca riso fácil dos menos exigentes. Hassum aparece em cena praticamente o tempo inteiro e o filme segue o olhar dele, fato que é benéfico para o desenvolvimento do protagonista, mas não dá espaço o suficiente para o desenvolvimento dos coadjuvantes, como Miguel Rômulo — que aposta até em uma cena um passinho do funk como Leo.

Filme da Netflix aposta em piadas natalinas bem brasileiras

O protagonista é Jorge, um homem rabugento que sempre odiou o Natal, data do seu aniversário, e faz de tudo para evitar as comemorações. No entanto, na véspera da comemoração, quando se veste de Papai Noel forçadamente, ele cai do telhado e bate a cabeça. Quando acorda, percebe que está vivendo o Natal do ano seguinte, e segue revivendo diversos Natais em um ciclo interminável.

A repetição é prato cheio para que o roteiro invista no deboche de tradições natalinas e trocadilhos bem brasileiros, como piada do pavê, maçã na maionese e discussões em família. É previsível, mas bem humorado, gerando uma identificação imediata com o público nacional. O roteiro também faz uso de referências à cultura pop, como Shrek, Gremlins, Mario Bros. e até o amado Chaves.

Produção de Hassum é muito longa e deixa elementos importantes de fora

Nota-se, assim, que o filme é dividido em quatro momentos: o início, que apresenta Jorge e sua aversão a tradição natalinas, além da família; o meio, quando ele recebe a “maldição” e acorda todo 24 de dezembro; o clímax com direito a beijo clichê na chuva; e a reviravolta que apela para o emocional dos espectadores. Enquanto tal escolha estilística tenha seus méritos, torna a produção demasiadamente longa, parecendo dois longas-metragens em um. 

Sem contar que dá margem para situações não explicadas e questionamentos que ficam de fora. A primeira vez que Jorge é acordado, depois que escolhe dormir por cerca de dez anos (fazendo com que seja desnecessário mostrar qualquer mudança corporal de sua família), é em 2021, pulando nosso fatídico 2020 e sua pandemia (que, claro, não é citada). E se o protagonista acorda somente um dia por ano, o que acontece ao outro Jorge que vive os 364 dias? Será que o protagonista é mesmo o verdadeiro? Por que não deixar uma mensagem para seu outro eu e assim se comunicarem numa espécie de Casa do Lago de si mesmo? O outro é um robô, no automático (como sugere o vídeo tosco feito pelo outro eu) ou também tem anseios e desejos? 

Para além disso, Tudo Bem no Natal que Vem acompanha os personagens durante anos, tanto que Cursino revelou serem cerca de "20 natais em 20 dias". Ou seja, o longa chegaria até 2031, e não vemos nenhuma mudança tecnológica, avanço na medicina. Em termos orçamentários, é estranho ver em um filme do streaming um chroma key que fica muito evidente durante as viagens, e o envelhecimento dos atores através de maquiagem parece caricato. Por outro lado, o rejuvenescimento de Hassum e Elisa Pinheiro não incomoda.

Filme da Netflix tem mensagem importante no momento da pandemia do coronavírus

Apesar de todos os problemas, o enredo é cativante. Não só Hassum se destaca, como também as atuações de Elisa Pinheiro como Laura e Danielle Winits como Marcia. É difícil não se emocionar com a relação entre Jorge e sua filha, Aninha (Arianne Botelho, esforçada). A atriz inclusive raspou o cabelo para o papel, ainda que tenha sido somente para uma breve sequência. A participação especial de Daniel Filho também é de sensibilizar.

Outro aspecto positivo de Tudo Bem no Natal que Vem é o uso do feriado natalino, muito visto em filmes com neve e roupas compridas, em um local tropical — como em Missão Presente de Natal. Tal movimento indica que a Netflix quer cada vez mais investir em filmes de Natal fora do eixo América do Norte e Europa, e o público só tem a ganhar com a escolha.

Em termos gerais, o filme de Hassum chega em boa hora, e termina em um tom alto astral, especialmente para o momento que estamos vivendo, muitos longe de suas famílias. E a mensagem? Vai ficar tudo bem (no Natal que vem).