Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Kingsman: O Círculo Dourado

Quebra de expectativa

por Francisco Russo

Desde quando ainda não se anunciava como franquia, Kingsman tinha como destaque maior o esforço em fugir do convencional. A quebra de expectativa com os clichês típicos dos filmes de ação deu a Serviço Secreto um sabor gaiato que casou muito bem com a ousadia politicamente incorreta (e um tanto absurda) do diretor Matthew Vaughn. O resultado foi um frescor que rendeu US$ 414 milhões nas bilheterias mundo afora e uma (na época) inesperada sequência, produzida pela mesma equipe do original.

Diante da tarefa em fazer mais sem repetir o mesmo, Vaughn caminha na corda bamba em Kingsman: O Círculo Dourado. Se por um lado avança na história particular de seus personagens principais e da Kingsman como organização, por outro reaproveita situações do original de forma a inserir uma dinâmica distinta - aos que assistiram ao primeiro filme há algum tempo, vale uma revisita diante de tantas referências. Desta forma, esta continuação oferece uma sensação dúbia: ao mesmo tempo em que a narrativa cronológica avança de fato, fugindo da previsibilidade, são tantas as menções e brincadeiras ao que já foi feito que, no segundo ato, se tem a sensação de assistir ao mesmo filme, só que os elementos em posições trocadas.

Senão, vejamos. Se em Serviço Secreto o contraste entre o jeito de ser britânico e americano surgia a partir das diferenças entre o herói Harry Hart (Colin Firth) e o vilão Richmond Valentine (Samuel L. Jackson), aqui a mesma situação é posta a partir da apresentação da Statesman, a organização secreta americana, perante os agentes da Kingsman. Por outro lado, a dinâmica interna da contraparte estadunidense é exatamente a mesma de sua coirmã, como se esta fosse seu espelho. Não por acaso, há muito em comum entre os agentes de lado a lado que, unidos, precisam enfrentar a grande vilã da vez: a Poppy de Julianne Moore, tão megalomaníaca quanto Valentine, interpretada com uma doçura intrínseca às das donas de casa supostamente perfeitas dos anos 1950. Este, por sinal, é um dos acertos do filme.

A partir de uma Julianne Moore adorável e implacável, o universo do Poppyland de certa forma lembra Westworld, pelo misto de nostalgia e alta tecnologia. É nele que está boa parte do frescor desta continuação, não só pela ambientação mas também pela boa participação especial de Elton John e a deliciosamente cínica justificativa da vilã para pôr seus planos em prática. É quando O Círculo Dourado enfim alcança os melhores momentos de Serviço Secreto, não só pela diversão mas também pela novidade.

Novidade esta que Matthew Vaughn e a roteirista Jane Goldman se esforçam para entregar em relação aos rumos dos integrantes da Kingsman. Se o retorno de Harry já foi anunciado por sua presença no combo trailer & cartaz, é bacana ver Colin Firth dando traços bem diferentes ao personagem infalível do primeiro filme - por mais que, para tanto, o filme insista em revisitar o original. Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) também enfrentam situações que fogem ao estereótipo das sequências, apesar de lidarem com arquétipos vindos do primeiro filme, como uma certa picardia sexual. A mesma quebra de expectativa vale para os agentes da Statesman, onde a popularidade do ator escalado nunca é sinônimo de muito tempo em cena.

Em meio a esta reconstrução a partir de elementos conhecidos deslocados, Kingsman: O Círculo Dourado mais uma vez se destaca nas sequências de ação. Se não há algo de impacto similar ao apoteótico massacre na igreja visto no primeiro filme, esta continuação entrega uma sequência de abertura bastante dinâmica e divertida, replicando a proposta de uma câmera nervosa seguindo os movimentos do corpo ao som de uma trilha sonora vibrante. O mesmo acontece em alguns momentos no decorrer do filme, especialmente na boa presença de Pedro Pascal como o agente Whisky - é ele o Harry Hart da vez, por assim dizer.

Divertido e provocador, especialmente em relação à sua vilã, Kingsman: O Círculo Dourado atende a necessidade das sequências em entregar algo maior ao ampliar o leque de agências de espionagem, saindo um pouco da Inglaterra natal para visitar outros países, por mais que para tanto replique estruturas e situações já conhecidas. Inferior ao original, ainda assim oferece boas ideias que fogem do convencional no cinema de ação, muito bem encampadas por um elenco bastante competente. Bom filme.