Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Sabor da Vida

Alma de dorayaki

por Francisco Russo

Se fosse preciso definir Sabor da Vida com uma única palavra, esta seria delicadeza. É com esta poderosa arma, capaz de derrubar o mais sisudo espectador, que a diretora Naomi Kawase aborda temas tão importantes quanto preconceito e respeito, sem jamais deixar de lado a cultura e a história japonesa.

O pontapé inicial é o encontro de Tokue (Kirin Kiki, ótima), uma senhora de 75 anos, com Sentaro (Masatoshi Nagase), dono de um pequeno quiosque especializado em dorayakis, uma espécie de panqueca cujo recheio é feito de uma pasta de feijão vermelho, o AN do título original. Ambos levam uma vida solitária, ele trabalhando dia após dia e ela sem ter o que fazer. Quando a senhora toma a coragem necessária para pedir um emprego, ele a vê com uma certa desconfiança mas, ao provar o AN feito por ela, tudo muda.

Por mais que seja um tanto quanto batida a ideia de usar a comida como meio de modificar a vida das pessoas, Kawase demonstra habilidade ao inserir na narrativa elementos humanitários, que dão um importante peso ao filme como um todo. Ao sucesso comercial obtido pelo empreendimento, após o uso do AN de Tokue, é adicionada um tapa com luva de pelica à crescente mercantilização existente na comercialização de alimentos em larga escala, algo tão comum no capitalismo. A valorização da paciência e da dedicação, valores bastante cultuados no oriente, também tem espaço.

Entretanto, é apenas na metade final que os valores humanitários enfim ganham terreno, graças à uma esperta associação com uma questão histórica do Japão e o preconceito inerente a ela. Tudo pontuado por uma trilha sonora suave e uma bela fotografia, que dá destaque especial à beleza das cerejeiras e o impacto que elas provocam na ambientação urbana.

Sentimental sem ser piegas, Sabor da Vida é o o filme mais linear (e acessível ao público) da carreira de Naomi Kawasi. Trata-se de um trabalho sensível, que acompanha seus personagens com uma nítida doçura vinda de sua diretora, o que também reflete junto ao espectador.

Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.