Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1

Os senhores da guerra

por Francisco Russo

Desde o primeiro filme, a série Jogos Vorazes demonstrou que ia além dos requisitos habituais dos blockbusters, que incluem heróis carismáticos e muitas cenas de ação. Havia cérebro por trás da saga da jovem adolescente obrigada a enfrentar um torneio de vida ou morte, especialmente nas sutis críticas enviadas ao espectador. Se o longa original trazia um forte questionamento aos reality shows, exagerando-os bastante de forma a tornar assassinatos triviais em um espetáculo de entretenimento (a versão moderna do Coliseu de Roma), Jogos Vorazes - Em Chamas foi além ao ressaltar, ainda mais, o papel da mídia como agente manipulador, tão bem retratado pelas aparições sempre efusivas de Stanley Tucci, tendo como pano de fundo a luta pelo fim da tirania. Em Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 tal batalha segue adiante, com novas nuances: desta vez, quem merece um olhar crítico é a propaganda em si e, por que não?, até mesmo o ideal democrático.

É bem verdade que, comparando com os anteriores, este terceiro filme é bem diferente. A começar pela inexistência dos tais jogos do título, garantia prévia de boas cenas de ação no tal torneio mortal. Em A Esperança - Parte 1 o tom é mais pausado, até contemplativo em certos momentos, e o foco mira o psicológico. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence, em sua melhor atuação na série) está longe de ser a jovem decidida tão conhecida do público. Insegura e traumatizada com os eventos do desfecho de Em Chamas, ela precisa se redescobrir: como pessoa e também como liderança. É neste último quesito que surge firme a questão da propaganda.

Precisando de um ícone para incentivar os distritos a se rebelarem contra a Capital, os comandantes da resistência não pensam duas vezes em aproveitar a popularidade de Katniss. Não importa como ela esteja, mas o que representa - e, para tanto, nada melhor do que uma maquiagem para vender bem o produto. Cria-se então a guerra da propaganda entre os presidentes Snow (Donald Sutherland, esbanjando sorrisos maléficos) e Coin (Julianne Moore, de visual estranhíssimo, motivo até de piada dentro do filme), onde é curioso notar que ambos exploram a mesma tática. Se o apresentador Caeser Flickerman (Tucci) é tendencioso ao extremo, a equipe de filmagens da resistência também busca explorar as emoções de Katniss a seu favor, sem o menor pudor. O fim justifica os meios, diriam alguns. Mas se isto vale para a resistência, também não valeria para a Capital? Ao menos em relação ao método de conduta, não há tanta diferença assim. Tal semelhança se aprofunda ainda mais ao constatar o modo quase tirânico com o qual Coin governa e o fato de que, por mais que defenda a democracia, não há o menor indício de que ela tenha sido eleita para o cargo que ocupa. Mais uma vez, o bem e o mal não são tão distantes assim em relação ao modo de agir, o que por si só desperta uma série de considerações sobre a filosofia que há por trás da série.

É justamente este jogo político de bastidores o que há de mais interessante em A Esperança - Parte 1, seja pela dualidade manipulador/manipulado ou pelas próprias reviravoltas que o roteiro guarda. Neste tabuleiro, Katniss e Peeta são meros peões cujas emoções servem ao interesse de momento, por mais que o relacionamento entre eles sirva como linha mestra do roteiro. É interessante também notar como as demais peças (Haymitch, Effie, Plutarch, Beetee) são realocadas nesta nova realidade, cada qual de acordo com seus interesses: uns pela crença, outros pela falta de opção ou pelo senso de oportunidade.

Para dar vazão a este forte tom político presente na história, o diretor Francis Lawrence precisou fazer modificações importantes na série. Sai o visual estridente e repleto de cores da Capital, entram os tons pastéis e sóbrios da vida simples na resistência. Há bem menos cenas de ação em relação aos episódios anteriores, assim como um maior desenvolvimento psicológico da heroína. Há também uma certa perda de dinâmica na narrativa, muito devido a sequências alongadas demais e o próprio tom reflexivo que norteia parte do filme. Ainda é cedo para dizer se a culpa é da decisão em dividir um livro em dois filmes, mas este Parte 1 poderia perder tranquilamente de 15 a 20 minutos caso passasse por uma edição mais rigorosa.

Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 é um bom filme que aponta caminhos instigantes para a série mas, paradoxalmente, é também o menos impactante. Vale não apenas por acompanhar mais um passo na saga de Katniss e Peeta, mas também pelos questionamentos que levanta. Eles podem nem sempre estar em primeiro plano, mas despertam uma boa reflexão sobre questões tão comuns ao nosso cotidiano.