Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Deadpool

O canto do tagarela seduz

por Renato Hermsdorff

Na música “Canto de Ossanha”, o poeta Vinicius de Moraes dizia, sabiamente: “O homem que diz ‘sou’ não é/ Porque quem é mesmo é ‘não sou’”. Deadpool se apresenta, na abertura mesmo, como “mais um filme de super-herói”, com “mais uma garota gostosa”, “mais um vilão de sotaque britânico”, “mais um personagem inteiramente gerado em CGI”, e por aí vai. E por quê? Porque os realizadores (incluindo Ryan Reynolds no papel de produtor) sabem que o produto que estão entregando está bem longe de ser mais do mesmo. E eles tiveram colhões.

Acredite em tudo o que você eventualmente leu a respeito do filme. Ele é ácido como Reynolds queria – e comemorou quando o filme pegou a classificação indicativa mais restrita do órgão responsável norte-americano. E, embora muitas cenas tenham sido divulgadas até a estreia, o melhor ainda foi mantido inédito. Acredite.

Caso você tenha optado por se manter alheio, aqui vai um resumo da trama: o mercenário Wade Wilson (Quem? Reynolds, claro) ganha seu trocado aplicando pequenos golpes. Leva uma vida relativamente tranquila, mas também sem grandes emoções. Até que... conhece a prostituta Vanessa Carlysle (Morena Baccarin), por quem se apaixona. Até que... é diagnosticado com câncer terminal. A esperança do rapaz reside em um polêmico tratamento comandado por um sujeito de nome Ajax (Ed Skrein). Porém, há efeitos colaterais. Além de adquirir poderes sobre-humanos, Wade fica com a cara de... “um abacate que transou com um abacate mais velho ainda” (isso é uma citação).

Os diálogos do roteiro escrito por Rhett Reese e Paul Wernick (ambos autores de Zumbilândia) fazem jus ao humor do personagem que ganhou a alcunha de “mercenário tagarela”, que não poupa ninguém. Sobra para Ryan Reynolds, para os X-Men, para a própria Fox, distribuidora do longa, Hugh Jackman, Liam Neeson, Um Lugar Chamado Notting Hill. Apesar do texto ágil e afiado (não pisque os ouvidos), a trama central é relativamente simples e previsível. Mas cumpre a função de apresentar um personagem não tão conhecido do grande público.  

O mais importante aqui são os pequenos arcos das cenas – o clipe que mostra Wade e Vanessa “se conhecendo melhor” é tão estranhamente romântico, que merece entrar para a posteridade do cinema (sem exagero). Apesar do tom didático (é preciso, afinal estamos falando de um universo novo para a grande maioria da audiência), a montagem é dinâmica, calcada na ausência de linearidade – recurso que cumpre bem a função de instigar o interesse da plateia.

Ação? Tem também e é outro trunfo do longa de estreia do diretor Tim Miller (até então mais conhecido por seu trabalho de supervisor de efeitos especiais de Scott Pilgrim Contra o Mundo). A violência é usada numa escala compatível com a do humor. Numa direção oposta à do frenesi de Michael Bay, por exemplo, aqui é possível “apreciar” cada detalhe dos embates, muitas vezes, em câmera lenta mesmo (pode até piscar - os olhos mesmo). Não, você não está sendo enganado.

Se, nos quadrinhos, Wade Wilson ficou conhecido pela quebra da quarta parede, nos cinemas ele põe 16 abaixo. E Deadpool resulta em uma espécie de Guardiões da Galáxia (que, verdade seja dita, renovou o humor dos filmes de super-heróis) para adultos. Pode cair no canto do Tagarela.