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    O Grito - Origens: Série da Netflix tenta salvar franquia desgastada (Crítica)

    Com muito esforço – e alguns litros de sangue –, Ju-On: Origins choca com sequências subversivas, mas peca pela confusão narrativa.

    NOTA: 2,0 / 5,0

    Atenção: O texto abaixo contém spoilers de Ju-On: Origins. 

    Negar o impacto cultural de Ju-On no terror é quase como contestar a importância de Bong Joon-ho para o cinema coreano. Desde o seu lançamento, o título se tornou um dos principais representantes do J-Horror no ocidente, revolucionando a maneira em que os cineastas contavam histórias sobrenaturais.

    Para entender isso, basta analisar as produções fantasmagóricas que sucederam O Grito no início dos anos 2000. Grande parte delas carregava o arquétipo do espírito feminino com longos cabelos negros, semblante maléfico e pele pálida. Este modelo visual foi tão fortalecido por obras como a de Takashi Shimizu, que a trama de Kayako ultrapassou a esfera cinematográfica, e se transformou na base de muitas lendas urbanas modernas.

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    Com isso, O Grito deixava de ser apenas um filme, e se tornava parte do imaginário popular. E claro, quando os estúdios perceberam isso, não demorou muito para a narrativa ser amplamente explorada na sétima arte. Até hoje, 13 longas foram criados dentro deste universo, além de um game para Nintendo Wii e dois curta-metragens.

    Com tantas abordagens diferentes, o único formato restante para Ju-On se apropriar era o televisivo. E é aí que chegamos à série da Netflix. Lançada neste mês, O Grito - Origens propõe apresentar casos “reais” que inspiraram os filmes, oferecendo respostas mais profundas acerca da trama sobrenatural.

    Contudo, este objetivo – como era de se esperar – não é atingido. A história acaba sendo vítima de duas décadas de saturação criativa. O senso de inovação em Ju-On é quase inexistente. O que resta ao público é uma produção que soa como um disco riscado logo em seus primeiros minutos.

    E tudo bem, não é necessário reinventar a roda para ter qualidade. Inclusive, a série até consegue resgatar o clima desconcertante da franchise. Quem assistiu aos primeiros filmes da saga vai ficar bem satisfeito com a recriação da casa amaldiçoada de Kayako. Porém, tirando a fotografia sombria, trilha sonora maléfica e ambientações claustrofóbicas, há poucos pontos positivos que ultrapassem o âmbito técnico.

    Os personagens, em sua grande maioria, são desprovidos de quaisquer traços carismáticos. Não existe vulnerabilidade. É como se estivéssemos assistindo a um compilado de performances robóticas. Consequentemente, não conseguimos nos importar com nenhum deles, o que reduz o impacto dos eventos catastróficos.

    Em contrapartida, os desenvolvedores não tiveram medo de apostar no gore. As sequências de assassinatos são perturbadoras, e figuram facilmente entre as mais sangrentas no catálogo da Netflix. E isso é um grande desperdício. Se sentissemos empatia pelo elenco, ficaríamos completamente abalados com as desgraças da série.

    Mesmo assim, é difícil apagar algumas cenas da cabeça. A sequência em que um dos personagens mata a esposa grávida, e retira o feto de sua barriga, é indigesta até para quem está acostumado com obras extremas. O estupro sofrido por Kiyomi é quase insuportável, e nos faz desviar o olhar da tela.

    Portanto, ao retratar a crueldade humana, o título encontra algum fôlego, e se diferencia das exaustivas continuações, refilmagens e reboots de O Grito. Todavia, ao tentar evocar o medo através de representações sobrenaturais, a série é inegavelmente datada, limitando-se a oferecer apenas aversão aos espectadores desacostumados com violência gráfica. Além disso, o número de fenômenos paranormais na história é decepcionante, já que estamos assistindo a uma série sobre fantasmas.

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    Estruturalmente, a produção também é esquizofrênica, confundindo a todos com os seus apressados saltos temporais. O resultado acaba sendo um emaranhado de contos nebulosos que poderiam ter sido melhor aproveitados em diferentes formatos audiovisuais, já que não funcionam em um seriado.

    A razão para isso é a explicita falta de cliffhangers (técnica narrativa que cria suspense a cada fim de capítulo). A continuidade entre os episódios não nos deixa na ponta da cadeira, impacientes para desvendar as conclusões da história. A boa notícia, é que a série não recorre aos jump scares. Ao invés disso, a produção mergulha em uma atmosfera densa, que acoplada aos momentos chocantes, acaba sendo um dos poucos trunfos da obra.

    Entre erros e acertos, Ju-On: Origins se destaca brevemente como experiência subversiva, mas cai no esquecimento pela abordagem confusa, que mais irrita do que instiga. Ainda estamos acompanhando a simples história de uma casa que foi palco de tragédias, e portanto, se tornou amaldiçoada. É apenas isso. Não há necessidade de ser muito pretensioso ao adaptar um conto básico.

    Caso você queira ser ambicioso, é necessário atingir os padrões de A Maldição da Residência Hill, por exemplo. O contrário disso acaba sendo frustrante, visto que o público está cada vez mais exigente com as histórias de terror. Portanto, optar pela simplicidade nem sempre é um tiro no pé.

    Por outro lado, se escorar no legado de franquias bem-sucedidas é um passo arriscado – e assim como aconteceu em “Origens” – quase sempre dá errado.

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