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    3% questiona alianças e objetivos em trama mais complexa e sutil (Crítica da 2ª temporada)

    Série brasileira distópica retorna para a segunda temporada na Netflix.

    Nota: 3,5 / 5,0

    Crítica SEM spoilers.

    A primeira temporada de 3% atraiu o público não apenas por ser a primeira série brasileira da Netflix, mas porque ousou apresentar uma trama complexa que, embora com notáveis falhas em execução e técnica, foi bem intencionada em seus questionamentos. Um ano e cinco meses depois, o universo desenhado por Pedro Aguilera retorna para as telas, agora amadurecido e disposto a reparar suas imperfeições.

    Partindo do fim do Processo 104, a segunda temporada de 3% reencontra os personagens principais em momentos e locais diferentes. Enquanto a primeira foi absolutamente concentrada na execução das provas que levam os jovens a conseguirem ou não um lugar no almejado Maralto, desta vez o Processo não é o centro da trama. Este fato já mostra a disposição dos roteiristas a aprofundarem a narrativa, e tira da linha de frente as imediatas comparações com a trilogia Jogos Vorazes, deixando espaço para que os personagens — e a história — cresçam em suas próprias individualidades.

    Ao retomar o contato com os protagonistas — alguns no Maralto, outros de volta ao Continente —, 3% mergulha em um jogo de interesses que se ampara bastante nas atuações, sobretudo de Bianca Comparato (Michele), Vaneza Oliveira (Joana), Michel Gomes (Fernando) e Rodolfo Valente (Rafael). E justamente porque a história exige confiança por parte do público, pede bastante dedicação de seu elenco principal. Neste quesito, Comparato se destaca com facilidade, demonstrando uma faceta dúbia de Michele que faz mais do que apenas convencer, e conduz o espectador ao longo de boa parte da temporada.

    Pedro Saad/Netflix

    Neste ano, a história começa pouco antes do início do Processo 105. Enquanto a Causa prepara um novo ataque, a lealdade de Michele e Rafael — ambos vivendo no Maralto após terem passado pelo Processo 104 — é testada por todos os lados. Joana e Fernando lidam com as consequências de suas próprias decisões ao mesmo tempo em que ficam cada vez mais perto do grupo de combatentes, muito embora nem sempre concordem com os métodos dos rebeldes.

    Se a primeira temporada de 3% foi uma espécie de jogo de tentativas, é muito fácil observar o quanto a segunda buscou realmente elevar seu nível — seja na eliminação de arcos narrativos que não funcionavam ou transpareciam exaustivamente óbvios, seja no foco maior dados aos personagens que ganharam o favoritismo do público no primeiro ano.

    Ainda existe um certo nível de ‘amadorismo’, que soa condescendente nos momentos em que alguns personagens tecem explicações feitas claramente para o público ou em diálogos bastante artificiais. A construção dos vilões também é fria e rasa, chegando ao ponto de serem tão óbvios que uma surpresa ou duas não fazem esquecer.

    Pedro Saad/Netflix

    Mas esta nova temporada de 3% consegue explorar uma zona cinzenta do moralismo humano pelo qual a primeira apenas ensaiou passar. Mesmo com alguns personagens cansativos — vale para o Ezequiel de João Miguel e para a novata Marcela, vivida por Laila Garin —, a trama foge de maniqueísmos óbvios ao questionar os métodos e os objetivos dos agentes da Causa, por exemplo. Ao mesmo tempo, existe uma alusão que segue lado a lado com a política nacional. Se em um determinado momento há a sugestão de uma intervenção militar no Continente, a coisa não fica por aí. Ao questionar o lado que cada um dos personagens defende, a nova temporada conversa diretamente com a polarização política que toma conta do Brasil, dos Estados Unidos e de boa parte da Europa.

    Entre as fortes adições da temporada, a inserção de flashbacks funciona como uma espécie de correção de curso, já que repara um quadro que fez muita falta na temporada inicial. A direção de arte menos exagerada concede à ficção científica um ar mais crível, funcionando como um vínculo direto com a realidade, enquanto a direção e o roteiro constroem desfechos que intrigam sem a necessidade de ganchos novelescos. Além disso tudo, destaque também para a atriz Cynthia Senek, intérprete da cativante Glória.

    É essa sutileza do texto que faz da segunda temporada de 3% mais envolvente e vitoriosa. Ela deixa de ser tão simplista e trilha o seu caminho para ideais mais complexos que apenas “um lado bom” ou “um lado ruim”. A discussão sobre a meritocracia permanece, mas desta vez em segundo plano. Trata-se de um passo além em uma história que claramente busca evoluir ainda mais. E que vá!

     

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