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    Twin Peaks está de volta, tão confusa e maravilhosa como antes (Primeiras Impressões)

    "Te vejo novamente em 25 anos. Enquanto isso..."

    “Estamos no futuro ou estamos no passado?”

    Não havia The Sopranos, The Wire ou nenhum grande sucesso da TV a cabo quando David Lynch e Mark Frost surgiram na televisão em 1990 com um mistério eternamente intocável e inigualável. O assassinato de Laura Palmer revolucionou a televisão porque trouxe à tona uma pergunta que não precisava necessariamente de resposta, e que misturou tantos gêneros e testou tantas narrativas que é possível identificar até hoje a herança que aqueles 30 episódios deixaram para o que viria no futuro das telinhas.

    27 anos após a estreia (e exatos 25 após o enigmático adeus de Palmer na Black Lodge), Twin Peaks está de volta. Em outra era, em outra emissora. No Brasil, através da praticamente hegemônica Netflix, algo perto do impossível de se prever lá em 1990. Os tempos são novos, a história é uma deliciosa mistura entre o nostálgico e o empolgante frescor da novidade estranha.

    “O que está acontecendo?” Esta talvez seja a pergunta que o espectador mais vai repetir para si mesmo enquanto assistir aos episódios iniciais de Twin Peaks: O Retorno. As duas primeiras horas são confusas, no melhor dos sentidos que a palavra pode oferecer. Twin Peaks jamais foi um mistério destinado à resolução (e, de fato, quando isto ocorreu, a trama perdeu o rumo e se rendeu ao caos), e esta reapresentação da história se comporta exatamente como uma continuação bem arquitetada de um quebra-cabeça que pode, ou não, se completar. Seja o que eles quiserem.

    Então, pegue a sua torta de cereja, e um damn fine cup of coffee, porque Twin Peaks está de volta, e temos a sorte de estarmos vivos para descobrir o que David Lynch, Mark Frost e uma enorme equipe de atores e produtores prepararam quase três décadas depois do aparecimento do corpo de Laura Palmer. Há muitas coisas acontecendo, em todos os lugares possíveis, e os episódios são ao mesmo tempo divertidos, empolgantes, misteriosos e uma continuação que acende uma luzinha na cabeça dos aficionados pela trama original, pois traz de volta os principais elementos que ficaram em aberto no final da segunda temporada.

    Estamos falando de você, Cooper. Como está Annie?

    Ao longo das últimas décadas, David Lynch tornou-se um cineasta cada vez mais enigmático e surrealista. Enquanto muitos esperavam um retorno de Twin Peaks imerso em estranhezas inacessíveis ou fora de sincronia com o que foi a série na década de 1990 (e algo mais próximo, talvez, de Império dos Sonhos, de 2006), o que Lynch apresenta é uma trama que ao mesmo tempo é acessível e intrigante, que engloba o velho (ou, melhor dizendo, o clássico) e o novo entre tomadas de lugares conhecidos, daqueles personagens que parecem ter ficado presos no tempo rodeadas daquela floresta de Abetos de Douglas, e outros que estão sendo apresentados agora. Mas há uma estranha conexão entre estes dois tons que os episódios carregam; de certa forma, é como se eles pudessem ter estado ali o tempo todo; é uma sintonia que de cara prova errados aqueles que temiam a nova temporada. 

    Ainda vai levar um tempo para podermos dizer o que de fato vai se desenhar nestes 18 novos episódios, e ninguém por aqui está tentando amarrar as pontas e prever a história, mas antes mesmo de fazer qualquer esforço, Twin Peaks já voltou fazendo tanto barulho quanto fez em sua estreia. Críticos de TV do mundo todo, apaixonados pelo que a série representa para a teledramaturgia e para a Terceira Era de Ouro, lidam de formas diferentes com a nova temporada. De alguma forma, ela fez o seu caminho até o tradicionalíssimo Festival de Cannes. Twin Peaks: O Retorno é algo entre o anacrônico e o futurista por não parecer exatamente situada em 2017, mas também não parecer situada em tempo nenhum. Desde Lost, cujas inspirações em Peaks são evidentes, a internet se acostumou a debulhar cada detalhe de cada episódio, a transformar cada singela dica em uma parte de um mapa formado pelo conhecimento coletivo. Fazemos isso com Game of Thrones. Fizemos isso com Westworld.

    Podemos fazer o mesmo com Twin Peaks?

    Não há uma resposta. Não precisa haver uma, aliás. Existe uma aura tão reverencial ao redor de Twin Peaks que às vezes parece ser muita responsabilidade inferir qualquer significado antes de ver a obra completa. Mas os fãs podem respirar aliviados: é incrível perceber que passadas quase três décadas de televisão e cinema, Twin Peaks continua inovadora, maravilhosa e encantadora.

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