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    Uma Noite Não É Nada: Alain Fresnot defende sua visão sobre amor, abuso sexual e AIDS (Exclusivo)

    "Três formas diferentes de amar", segundo o diretor.

    O drama brasileiro Uma Noite Não É Nada, dirigido por Alain Fresnot, chega aos cinemas dia 22 de agosto trazendo uma combinação delicada de temas incluindo relacionamentos tóxicos, abuso sexual, AIDS e o fim da ditadura militar no Brasil.

    O cineasta de DesmundoEd Mort apresenta a história de Agostinho (Paulo Betti), professor de física decadente que se apaixona pela aluna Márcia (Luiza Braga). O envolvimento entre ambos é marcado pelo consumo de drogas, estupro em público e em casa, além de decisões extremas de ambos diante da descoberta da soropositividade da garota.

    Para Fresnot, essa é uma história "sobre o fim e amor", como explica em entrevista exclusiva ao AdoroCinema:

    Aline Arruda / Divulgação

    O projeto nasceu muito tempo atrás, certo? Fez alguma atualização para se adequar aos relacionamentos contemporâneos?

    Alain Fresnot: Eu escrevi esse argumento entre quinze e vinte anos atrás. Eu tinha toda a espinha dorsal da ideia, ainda no calor da descoberta da AIDS, que na época era uma questão de morte. Então chamei Jean-Claude Bernardet para escrever comigo a partir desta premissa. Em determinado momento, pensamos que seria necessário ter um olhar feminino também. Pedi a Jean-Claude para me indicar uma aluna dele que fosse boa roteirista e pudesse se juntar a nós dois. Ele me indicou a Sabina Anzuategui que depois, a título de anedota, se tornou a minha esposa.

    Eu não fiz nenhuma atualização. O argumento estava fechado, o roteiro estava fechado, e essa trama já existia. Não creio que tenha tido uma atualização. Ele já nasceu assim, com a esta fábula de três pessoas que amam cada uma à sua maneira.

    Em sua opinião, o que torna Márcia tão atraente a Agostinho? Como imaginou a história deste homem silencioso? 

    Alain Fresnot: Existe o lado transgressor da Márcia, mas a atração corresponde mais a uma pulsão interna dele. Existe um impulso suicida da parte dele, uma pulsão do velho professor por uma epifania, um grand finale, uma grande saída. De certa maneira, ele usa Márcia para botar um pouco de tempero e um ponto final na sua vida.

    Seria importante pensar se Agostinho teria sido no passado um cara pegador, e essa menina seria uma nova vítima dos assédios dele, ou se é realmente uma volúpia, uma pulsão de fim de feira. Eu apostaria nessa última hipótese: você percebe que ele não beija bem, e o Paulo apostou nesse caminho. O personagem não era acostumado a xavecar as alunas, e se fosse este o caso, ele teria mais bom senso para não entrar numa roubada tão evidente. É uma decisão meio “camusiana”, de se desprender totalmente das consequências em fim de percurso. Isso serve de escada para a esposa dele, Januária (Cláudia Mello), que se torna a grande personagem da segunda metade do filme. Ela tem uma intuição, uma compreensão do que está acontecendo. Se ele fosse um putanheiro, talvez o comportamento dela fosse outro.

    Que tipo de pesquisas fizeram para representar o tratamento da AIDS décadas atrás? 

    Alain Fresnot: O Jean-Claude compreende muito bem esta questão, mas eu também fui a associações de apoio a indivíduos soropositivos, e me baseei em livros a respeito. Mas não é um filme sobre a AIDS, é um filme sobre o fim e sobre o amor. A parte técnica de maquiagem, envolvendo as deteriorações pela doença, foi feita com conhecimento de causa. Aquelas feridas estão corretas do ponto de vista clínico. Eu tentei me informar o máximo sobre o assunto, evidentemente, mas não sou o Dráuzio Varella!

    A política também é um tema importante da trama por lidar com o fim da ditadura, às vésperas das Diretas. 

    Alain Fresnot: Eu me mobilizo bastante pelos assuntos políticos. Se você pegar os meus filmes anteriores, vai ver que, de uma maneira ou de outra, eles são críticos e políticos. Mesmo as minhas comédias são ácidas. Para mim, esta é uma dimensão importante da vida. Além disso, é preciso respeitar as figuras em tela. Januária é uma diretora de escola pública recém-aposentada. Para ela, é compreensível e plausível que ela fosse militante pelas diretas já, que foi um movimento de massa. O professor não é uma pessoa desatenta, ele lê o jornal, então existe espaço para contextualizar a época com as manchetes dos jornais. É claro que eu peguei passagens que considerei significativas. Para as pessoas muito ligadas em política, esta é uma ocupação de 24 horas no dia, mas para 90% da população, a política é algo de quatro em quatro anos, ou de manchetes de jornal. Ou seja, este retrato da política condiz com a construção destes personagens, e funciona como uma piscadela ao público sobre os acontecimentos da época. 

    A cena do estupro é particularmente incômoda, por ser filmada em plano-sequência, bem próxima ao corpo dos atores. 

    Alain Fresnot: A minha formação é de montador, então sou muito ligado ao balé da câmera na sua relação com os atores ao longo do filme. Isso fica mais evidente neste plano-sequência muito preciso, muito próximo da ação. A princípio, existe o meu prazer de fazer uma decupagem rigorosa, onde eu aplico tudo o que conseguir aprender como montador.

    Em relação ao abuso, ao assédio, eu tentei abordar a incompetência dele enquanto predador sexual. Essa cena tem um elemento lúdico, por incrível que pareça, algo praticamente adolescente. De certa maneira, isso inocenta ele no sentido de não ser um homem perverso, algo que ela percebe indiretamente. É uma cena forte de abuso sexual pois ela está desmaiada, mas eu procurei sublinhar este aspecto meio nerd dele, para usar uma ideia simples.

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