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    Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras "mostra pela primeira vez quem ela era, como mulher e como artista", afirma o diretor Tom Volf (Exclusivo)

    Relatos íntimos de uma das maiores artistas líricas de todos os tempos.

    Os cinemas brasileiros recebem, a partir de 6 de dezembro, um raro documentário sobre uma das maiores cantoras líricas de todos os tempos. Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras apresenta gravações inéditas da artista, cartas pessoais que nunca tinham sido descobertas - lidas por Fanny Ardant - além do ponto de vista de Callas sobre os escândalos mais famosos da sua vida.

    O AdoroCinema conversou em exclusividade com o cineasta Tom Volf sobre a tentativa de enxergar a verdade por trás dos mitos:

    Por que incluiu apenas depoimentos de Maria Callas, ao invés de entrevistar pessoas próximas?

    Tom Volf: Bom, foram várias razões. Primeiro, porque ninguém tinha feito isso antes. Existem muitos filmes sobre Callas, mas poucos deixam que ela se expresse, que apresente seu quarto, seus amores, sua vida. Essa era a única maneira de mostrar pela primeira vez quem ela era, como mulher e como artista. Eu queria mostrar a dualidade que ela teve que enfrentar a vida inteira entre Maria e Callas. Por isso, era indispensável que o filme fosse inteiramente focado no ponto de vista dela.

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    Acredita que esta dualidade seja pouco conhecida pelos fãs dela?

    Tom Volf: Sem dúvida, por isso mesmo eu destaco no título original ("Maria by Callas"), e ela mesma fala a respeito desde o início do filme. Ela nunca tinha dito isso antes: ela era Maria, mas precisava sempre sustentar a imagem de Callas. Isso marcou todas as escolhas de vida dela. Ela nunca foi capaz de unir estes dois aspectos, o que constituiu um problema para ela, e se torna um elemento central do filme. Nós acreditamos que conhecemos muito bem as histórias dela: o escândalo de Roma, a demissão do Metropolitan, mas agora escutamos uma versão totalmente diferente destes episódios, pela perspectiva dela. Agora descobrimos os bastidores, e há muitas revelações.

    O filme evita aspectos delicados como o falecimento do filho e a depressão. Como escolheu as passagens que incluiria e excluiria do documentário?

    Tom Volf: Isso foi fácil. O filme não investiga nenhuma fofoca - esse era o meu ponto de partida. Eu só apresento fatos, e aspectos que ela aborda por conta própria, seja em entrevistas, conversas pessoais ou cartas enviadas a amigos. Nestas cartas, totalmente inéditas, ela fala de sua vida íntima. Vários temas são abordados, mas o meu limite se cria aí: não entre em ficções e especulações de qualquer tipo. 

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    Você se arrisca ao incluir apresentações musicais inteiras de Maria Callas nos palcos.

    Tom Volf: Eu acredito que essas apresentações numa tela de cinema representam a experiência única de poder vê-la no palco. Poder reproduzir isso, com Callas cantando para o espectador, em câmera próxima, traz uma oportunidade nova, que obviamente só poderia ser experimentada quando ela estava viva. Por que ela é a melhor de todos os tempos? A maior cantora clássica da história? Nós podemos descobrir através destas cenas.

    Além disso, existe uma questão de atuação. Callas foi uma excelente atriz, e quando você se aproxima dela durante as apresentações, pode perceber porque ela era uma artista tão completa. Tudo o que ela cantava tinha um significado pessoal muito profundo. Em cada palavra que ela canta, existe um paralelo nas vivências dela. É quando se estabelece a conexão entre Callas e Maria. Ela dizia: "Quem escutar todas as minhas interpretações vai me compreender por inteiro".

    Então as músicas são uma maneira interessante de acompanhar a trajetória pessoal dela, misturando as palavras das cartas com as palavras das letras. Por isso, escolhi as composições mais significativas para a história dela, e também as gravações que se tornaram famosas depois dela, e graças a ela: "Casta Diva", "Carmen"...

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    Como escolheu Fanny Ardant para ler as cartas de Callas, e de que maneira você a dirigiu?

    Tom Volf: Na verdade, existem duas versões do filme: uma com Fanny Ardant, e na versão inglesa, a voz é de Joyce DiDonato. A escolha de Ardant foi óbvia: ela já tinha interpretado Callas nos palcos, e depois interpretou o papel principal em Callas Forever, de Franco Zeffirelli. Mas nestes dois casos, Callas era uma personagem fictícia - tratava-se de um relato inspirado na vida dela. Desta vez, não temos um trabalho de ficção. É a primeira vez que Ardant lê palavras reais dela. Por isso, foi uma experiência marcante para a atriz, ter contato com esses textos pessoais.

    O tempo que passamos juntos foi de muita intimidade e cumplicidade. Ardant gravou muito mais leituras do que aquelas ouvidas no filme, e não bastava apenas ler, era preciso interpretar, trazer aquelas palavras à vida. Ao mesmo tempo, fiquei feliz que ela nunca tenha tentado imitar o estilo ou a voz de Callas. Ardant encarnou a carta, como se ela estivesse escrevendo naquele instante.

    Maria Callas defendia, nos anos 1950 e 1960, que a vocação da mulher era ficar em casa com o marido, e que ela abriria mão da carreira para cuidar do lar. Como essas ideias refletem a posição da mulher na sociedade hoje?

    Tom Volf: Ela nunca fala sobre a sociedade em geral, apenas sobre si mesma: ela tinha o desejo de ter uma família e filhos. Era o que Maria, não Callas, queria, mas ela nunca teve uma família feliz. Por isso, acredito que ela não esteja falando em nome de todas as mulheres, mas de seu caso pessoal. Ela expõe o conflito de ter dedicado tempo demais a sustentar a carreira e a imagem de Callas, o que inviabilizou a vida familiar.

    Algo que contradiz a visão de que ela seria conservadora é o fato de ter lutado pelo direito a se divorciar em 1959, numa Itália conservadora, quando o divórcio só era permitido com o consentimento do marido. Ela lutou durante anos para conseguir a separação legal. Além disso, o fato de  ter uma relacão pública com Aristóteles Onassis, sem se casar, sabendo que ambos já tinham sido casados antes, era algo ousado para os padrões da época. Ela era uma mulher moderna. As falas dela foram muito relevantes para as mulheres daquele contexto, e acredito que ainda possam ser muito relevantes hoje. Foi uma vida de ousadia, coragem e liberdade.

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