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    A história e a evolução da franquia Planeta dos Macacos

    A obra literária aclamada que virou um produto multimídia milionário e segue inovando 50 anos depois de fundar o cinema contemporâneo.

    O remake de Tim Burton

    A chegada do terceiro milênio soava como uma ótima oportunidade para se refilmar Planeta dos Macacos (por mais que a refilmagem de clássicos indiscutíveis seja uma atitude bem discutível), e assim fez a Fox. O resultado, porém, foi lamentável, com o roteiro de William Broyles Jr, Lawrence Konner e Mark Rosenthal esvaziando toda a complexidade da saga num filme de ação genérico.

    O esse remake melhor reflete é a própria Hollywood atual: uma indústria que esteriliza franquias e artistas, com o diretor Tim Burton (Batman) realizando um trabalho de encomenda destituído de todas as suas marcas autorais (como a profunda identificação com o cinema gótico e a natureza peculiar de seus personagens — o que poderia ser bem aproveitado e encher a franquia de frescor).

    O astronauta Leo Davidson é o protagonista mais desinteressante de toda a série, e Mark Wahlberg vive um ponto baixo de sua carreira irregular por sua incapacidade de conferir o mínimo de carisma ao personagem. A apatia de Davidson ao menos realça (embora negativamente) as qualidades desse insosso e inepto Planeta dos Macacos (2001).

    Trinta anos após o filme original atribuir a derrocada da raça humana à sua violência, seu preconceito, à escravidão; traçar analogias inteligentes sobre as corridas espacial e nuclear, entre outros; o remake critica o homem por ensinar macacos geneticamente modificados a pilotar espaçonaves. Em seu clímax, aliás, uma invenção tecnológica é confundida com uma divindade e a guerra chega ao fim, num tratamento conservador à outrora provocativa discussão sobre ciência e religião que transparece a falta de ambição, coragem e respeito às origens da franquia dessa equivocada refilmagem.

    Isso é tão verdade que Planeta dos Macacos (2001) peca até em sua tentativa de repetir a provocante conclusão do livro de Pierre Boulle e do primeiro filme, de Franklin J. Schaffner. O Capitão Leo Davidson escapa na trágica nave do macaco Péricles e retorna no tempo e à Terra. O protagonista aterrisa em frente ao Lincoln Memorial e, ao entrar no icônico monumento de Washington DC, descobre que a estátua de Abraham Lincoln foi substituída pela figura do General Thade — o macaco e vilão cuja última aparição antes fora aprisionado numa estação espacial, o que torna a revelação infundada e gratuita.

    A nova trilogia

    Um aspecto positivo do completo fracasso do remake dirigido por Tim Burton foi seu rápido esquecimento. Assim, dez anos depois, o público estava apenas desinteressado, até desacreditado em seu reinício, mas não averso à franquia. Com isso, foi uma grande e grata surpresa o resgate dos valores do livro de Pierre Boulle no reboot Planeta dos Macacos - A Origem. Nascia ali uma nova trilogia que de fato reimagina e respeita a obra original, modernizada temática e tecnologicamente.

    A família se torna um dos temas centrais da nova franquia. Muito adequadamente, pois força motriz da invenção do novo vírus que acomete os humanos, do elo que une Will Rodman (James Franco) ao macaco César (Andy Serkis) e da consciência coletiva que moverá o protagonista como um líder símio nos filmes seguintes. E é interessante que esse viés sentimentalista — e um tom particular mais ameno e otimista — não impeça a nova trilogia de atender ao papel fundamental da série original: refletir sobre questões da contemporaneidade.

    Planeta dos Macacos - A Origem trata dos perigos das modificação genética e questiona (ainda que de modo genérico) a ganância corporativa que degenera o potencial transformador progressista da ciência. Planeta dos Macacos: O Confronto contesta a lógica histórica de que "macacos não matam macacos" para aceitar a naturalidade da violência numa sociedade em desenvolvimento e estabelecer um embate entre líderes com filosofias diferentes: um comanda pela sabedoria, o outro, pelo medo. E o tão recente Planeta dos Macacos: A Guerra faz uma série de questionamentos, do Holocausto e da Guerra do Vietnã até Donald Trump, para encerrar a rebelião de César numa metáfora bíblica com Moisés e Jesus Cristo.

    Não bastasse seu pleno comprometimento com a história de Planeta dos Macacos e bons estabelecimento, desenvolvimento e desfecho narrativo, a Trilogia de César teria se justificado pela contribuição à franquia e ao cinema devido à construção de seu protagonista em computação gráfica e pelo trabalho estupendo realizado pelo ator Andy Serkis nos filmes.

    O CGI

    Especialista em personagens em CGI desde que viveu Gollum em O Senhor dos Anéis, Andy Serkis presta homenagem involuntária ao trabalho apaixonado realizado por Roddy McDowall na franquia original e, enfim, materializa a imaginação do autor Pierre Boulle e do roteirista Paul Dehn (o principal dos filmes da década de 70), criando símios com expressões faciais e emoções humanas — pesar, frustração, ódio, luto — tão profundas como visualmente bem detalhadas.

    "Existe o visual e a fisicalidade — ossos, músculo, tecido, pele", explica Joe Letteri, artista de efeitos visuais da inventiva empresa Weta Digital, sobre a complexidade exigida para a criação de César. "Mas esse é apenas o primeiro passo. O que nós buscamos é a performance", ele conclui, explicando algo óbvio: a funcionalidade de seu trabalho, sempre a serviço da dramaturgia cinematográfica. O resultado é a transformação de César no melhor personagem já criado em CGI e a certeza de que os gênios da Weta e Andy Serkis (já merecedor de prêmios de atuação) desenvolveram um recurso fundamental para o futuro da sétima arte — num ato revolucionário que tem tudo a ver com a história do Planeta dos Macacos na literatura e no cinema.

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