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    Marcos Prado fala sobre Curumim, "diário de bordo de um brasileiro condenado à morte" (Exclusivo)

    O diretor explicou as dificuldades práticas e éticas do documentário durante a 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

    Chega aos cinemas dia 3 de novembro um documentário brasileiro singular: Curumim conta a história de Marco Archer, o brasileiro executado na Indonésia por tráfico de drogas, após ficar mais de dez anos numa prisão de segurança máxima.

    Mas por que o jovem de família rica decidiu fazer algo tão arriscado? Como foi a vida de Curumim na prisão durante todo este tempo, sabendo que poderia ser morto a qualquer momento? De que maneira ele colocou uma câmera dentro da prisão e filmou as suas próprias histórias? O diretor Marcos Prado, de Estamira (2004), explica as circunstâncias bastante peculiares do projeto.

    Leia a entrevista e a nossa crítica:

    Isto É

    A origem do projeto

    Marcos Prado: "Tudo começou em 2009. O Curumim já estava preso há uns cinco anos, e começou a pensar em deixar as suas histórias, pelo fato de estar no corredor da morte. Ele era um cara irreverente, maluco, transgressor. Eu entendo: toda geração tem aquela pessoa que não consegue se adequar ao dia a dia, as regras, ao trabalho. Ele foi muito influenciado por pessoas mais velhas, e acabou escapando da morte inúmeras vezes, tanto de carro quanto de lancha... Ele achava que estava protegido.

    No início, eu pensava em fazer um filme de ficção. O amigo dele ia escrever um livro. Como ainda não tinha intimidade com o Curumim, me interessei por este projeto, até porque existia o boato de que ele sairia da prisão. Seria incrível contar a vida dele sem julgamento de valor, sem dizer se as escolhas estavam certas ou não. Seria a trajetória completa do anti-herói, com a saída e a redenção dele. Então esperei pelo livro, para adaptar, e prometi ao Curumim que a gente conversaria de vez em quando.

    Três ou quatro anos depois, nada do livro. Então saiu no jornal que ele seria executado dentro de um mês, e seu último desejo era um Chivas e duas putas. Primeiro achei engraçado mas depois pensei que, neste caso, se fosse fazer um filme documentário, este seria o clímax caso ele escapasse. Disse ao Curumim para esquecer o livro, e fazermos um documentário. Ele topou na hora. Depois, conseguiu mais um apelo, na verdade, recebeu umas quatro vezes o anúncio de que seria executado, e depois mudavam de ideia".

    Um problema ético

    Marcos Prado: "Eu disse: agora que vou contar a sua vida, é melhor você me falar da história inteira, senão eu vou descobrir. Quando eu ainda estava tentando autorização para viajar e fazer uma entrevista oficial, ele me avisou que tinha colocado uma câmera HD dentro do presídio. Era loucura, ele estava no corredor da morte! Se fosse pego, poderia ir para a solitária, morrer de fome e de doença, e a culpa seria minha. Era um problema ético, e eu não queria carregar isso na minha vida. Mas então o Curumim me avisou que quem levou a câmera à prisão era um dos guardas, porque o esquema de corrupção é muito grande. Afinal, ele estava em um presídio com quadra de tênis e de futebol, e com restaurante para quem tinha dinheiro. 

    O Curumim afirmou para a câmera que estava filmando por livre e espontânea vontade, e que eu não tinha nada a ver com isso. Pelo menos eu ficaria com a consciência tranquila caso ele morresse. O guarda inclusive pegou a câmera dele emprestada para filmar motocross, mas depois ele encontrou outra... Se você observar no filme, contado em ordem cronológica, vai perceber que ele não me contava tudo no início. Mas eu fui falando com os amigos, e aos poucos ele foi se flexibilizando, se transformando. Aceitou que eu contasse tudo no filme, que falasse de todos os erros que ele cometeu. Ele disse: "Quero que isso sirva de exemplo. Um dia eu vou sair, e quando estiver fora, quero que o filme sirva para outras pessoas não se ferraram como eu me ferrei"."

    Como humanizar o Curumim

    Marcos Prado: "Eu pensava: como humanizá-lo na época em que pessoas pensam que bandido bom é bandido morto? Na época de tantos haters nas redes sociais? Mas são seres humanos, resultantes de um sistema. Tentei balancear o discurso, não transformá-lo em herói, nem em vilão. Eu perguntava ao montador se estávamos conseguindo mostrar o lado humano dele, se estava dando certo. Era preciso colocar numa cronologia de gerações, quando nos anos 1980, a juventude subia no morro para cheirar. A cocaína era algo romântico. Muitos morreram de overdose nessa época, e quando se coloca isso na história do Curumim, que chegou a encontrar os homens de Pablo Escobar... Enfim, depois ele se arrependeu. 

    Nós tiramos alguns trechos sobre a decisão de ter parado com a cocaína, que depois ele disse ser a "droga do demônio". Não dá para colocar tudo. Foram nove meses de análise de material, na hora de montar. Eu coloquei uma prerrogativa ao montador: respeitar a cronologia dos fatos, que era a cronologia da morte. Queria que virasse o diário de bordo de um brasileiro condenado à morte. Não é um filme sobre as histórias fantásticas que ele tanto queria contar. Assim, decidimos fazer um recorte biográfico, para humanizá-lo. Percebi que tinha 45 personagens entrevistados, com uma hora e meia de conversa cada um. Não queria que fosse um talking head.

    Foquei apenas em quem tinha uma história para contar. Eu cheguei a entrevistar o Jair Bolsonaro, que fez uma moção parabenizando o presidente da Indonésia, que negou o indulto ao Curumim. Depois escolhi tirar todo mundo, os políticos, os intelectuais... Tinham outras histórias incríveis, sobre cada um dos acidentes dele, sobre o Curumim sendo ressuscitado dentro do avião em um desses acidentes..."

    Empatia

    Marcos Prado: "Queria que o espectador olhasse com empatia para ele, e entendesse esse cara. É um cara bem nascido, não é o tipo que nasceu no morro, que o pai batia na mãe, e o padrasto estuprava toda a família, e foi para a rua... Era uma história que a gente conhece. As pessoas podem pensar que o Curumim era como um filho a quem a gente não deu atenção. Também existe a desproporcionalidade da pena. É muito forte, a pena de morte. Se ele saísse, depois de tudo isso, o Curumim ganharia um Oscar! Ele dizia que este plano do tráfico seria o seu último, que depois abriria um restaurante. Mas será que ele faria isso mesmo? É difícil saber". 

     

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