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    Quem está certo em Capitão América: Guerra Civil, Steve Rogers ou Tony Stark?

    Homem de Ferro se rende à regulação, mas também à burocracia. Capitão América crê numa liberdade excessiva — porém, visando à eficiência para combater e servir. De que lado você está?

    Grandes filmes têm a capacidade de ir muito além de seu escopo, sua trama, e refletir (sobre) o mundo em que vivemos. O mesmo vale para blockbusters de super-heróis. Considerado um dos maiores do subgênero, Batman - O Cavaleiro das Trevas, por exemplo, antecipou em anos a discussão ética sobre vigilância global deflagrada por Edward Snowden.

    Capitão América: Guerra Civil anseia algo semelhante.

    A premissa por trás da rixa entre Steve Rogers (Chris Evans) e Tony Stark (Robert Downey Jr.) é uma verdadeira guerra ideológica. Capitão América 3 não se propõe a se aprofundar no assunto; são muitos personagens importantes, super-heróis, e um grande conflito a ser travado — não há tempo. Porém, a simples apresentação do tema é feita com tanta eficiência que já acendeu debates bem interessantes a respeito do assunto. Assim, fica a pergunta: qual Vingador estaria certo?

    A primeira reação é se posicionar contra Tony Stark. Os eventos de Os Vingadores, Homem de Ferro 3 e Vingadores: Era de Ultron evidenciam traumas e motivações pessoais para ele apoiar a intervenção do governo. Ele sente o peso de cada vida que se perde quando Os Avengers entram em ação. Porém, não há como negar a validade de sua posição. Tony, afinal, foi quem teve a maturidade de estabelecer um diálogo com a Organização das Nações Unidas (ONU) e respeitar um tratado assinado por 117 países.

    O Capitão América erra em nem considerar o registro. Se assim fizesse, poderia entrar num acordo mais amigável. Mas o contexto não ajuda: o governo escolhe seu amigo Bucky (Sebastian Stan), vítima de uma organização criminosa que transformou-o numa arma (o Soldado Invernal), como bode expiatório; um primeiro alvo do registro. E a posição de Steve Rogers já era bem sólida: para ele, atender a um governo superior aumentaria a burocracia em momentos que demandam urgência. O vilão, assim, ficaria sempre (mais) à frente.

    De um lado, portanto, temos no Homem de Ferro uma visão mais condizente com a realidade. De fato, nenhuma organização militar deve ter o direito de entrar em países e intervir em causas de segurança nacional à revelia. Nesse contexto, o mais sensato é que os Vingadores prestem contas ao Estado. A questão é: até que ponto é cabível firmar o pé apenas no mundo real ao pensar numa obra de fantasia?

    Somos espectadores, afinal, e não podemos ignorar o que acompanhamos de nossa onisciência dos fatos. E o que se vê é um Steve Rogers que visa apenas ao bem. Enquanto Tony se martiriza por uma vida perdida, Stevie segue focado nas tantas outras salvas pelos Vingadores. Manter a humanidade segura é o unico objetivo do líder do supergrupo.

    Steve Rogers, aliás, sentiu na pele o que é confiar em organizações compostas por homens passíveis de corrupção. Caso específico de Alexander Pierce (Robert Redford), em Capitão América: Soldado Invernal. E o mundo real nos mostra, a cada dia, que isso se aplica aos mais diferentes governos, nas mais sólidas democracias, com representantes do povo atendendo a interesses privados que nem sempre refletem o bem da população.

    Nesse sentido, defender o Capitão América em Guerra Civil é, mais do que condizente com o filme, torcer por algo inaplicável à realidade. Pura catarse, já que não temos, na vida real, alguém a quem se possa confiar poder e liberdade tão grandes para vigilar a sociedade e protegê-la do mal. Por outro lado, apesar de todas as mostras de que e como governos podem ser ruins, a democracia é o único modo de se viver numa sociedade mais justa. E quem não abre mão desta visão mesmo ao observar um mundo de fantasia, não pode defender outro lado que não o do Homem de Ferro.

    Esta longa discussão não é mera abstração, com lugar só no texto. Aconteceu de verdade, num bom debate entre mim (e aqui eu peço permissão para usar a primeira pessoa) e um amigo, Fabiano Cruz. Temos visões de mundo muito parecidas, e mesmo assim discutimos arduamente sobre os dois polos do filme. Disso se fazem as boas obras de arte, capazes de transformar duas horas e meia de puro entretenimento numa reflexão proveitosa e realista.

    Por fim, numa coisa concordamos: esse é o ponto mais positivo de Capitão América: Guerra Civil. Um filme com lados bem definidos, distintos, defendidos por personagens multidimensionais, com pontos de vista a ser considerados. (E um final que humaniza o Homem de Ferro como nenhum outro.) Enfim, uma mostra de que o Universo Cinematográfico Marvel pode basear suas aventuras espetaculares em premissas sóbrias e maduras.

     

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