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    Adeus à Linguagem: "Trabalhar com Godard é um ato de confiança extrema no diretor"

    Conversamos com os atores Heloise Godet e Kamel Abdeli, que vieram ao Brasil para promover o mais recente filme dirigido por Jean-Luc Godard.

    Jean-Luc Godard, o enfant terrible da Nouvelle Vague, diretor capaz de provocar reações apaixonadas de seus fãs e detratores. Aos 83 anos, o diretor teve seu longa-metragem mais recente exibido no Festival de Cannes 2014: Adeus à Linguagem, onde explorava o 3D como linguagem cinematográfica. O resultado rendeu aplausos da crítica especializada e ainda o inédito Prêmio do Júri.

    Pouco mais de um ano após a exibição em Cannes, onde o AdoroCinema pôde conferir o filme em primeira mão, Adeus à Linguagem chega ao circuito brasileiro. Com estreia agendada para o próximo dia 30, o longa-metragem contou com uma bateria de pré-estreias na semana passada com a presença dos atores Héloïse Godel e Kamel Abdeli, ambos viajantes de primeira viagem no modo Godard de fazer cinema.

    O AdoroCinema teve um bate-papo descontraído com a dupla, no dia em que ocorreram as pré-estreias no Rio de Janeiro. Bastante animados, eles desvendaram um pouco sobre como é trabalhar com um diretor tão pitoresco e emblemático. Com vocês, Jean-Luc Godard.

    COMO FORAM SELECIONADOS PARA O FILME

    Héloïse nos contou que Godard selecionou o elenco de Adeus à Linguagem através da internet. "Foi ele mesmo quem nos escolheu. Depois nos encontramos com o assistente dele simplesmente para falar sobre a vida e fizemos alguns testes com a câmera."

    No caso de Kamel, o processo foi um pouco diferente. Como Godard não conseguia escolher entre dois candidatos, acabou para contratar ambos e modificar o roteiro para incluir mais um personagem masculino. Sorte dele e também de Richard Chevallier, que garantiram presença no elenco.

    ROTEIRO FRAGMENTADO

    Os filmes mais recentes de Jean-Luc Godard têm sido uma colcha de retalhos envolvendo colagens, sons e imagens, com boas doses de filosofia e provocações. Adeus à Linguagem não é diferente. Perguntamos aos atores como foi receber um roteiro tão disperso. "O roteiro não estava tão confuso assim, porque nele já estavam previstos todos os cortes", disse Kamel. "Não havia muito texto, mas várias imagens. Godard fotografava, recortava o rosto dos atores e colava nas fotos. Este era o roteiro!"

    "O roteiro não dizia qual caminho estávamos seguindo, estava tudo na cabeça dele", complementa Héloïse."Pode parecer que era bagunçado, mas ele tinha total controle no momento da edição. É lá que ele podia construir qualquer coisa."

    Kamel ainda falou sobre a reação inicial que teve ao receber o roteiro do filme. "Quando vê o roteiro você não entende na hora como o filme será. Mas ao olhá-lo já se sabia que esta seria uma experiência a ser vivida, assim como ver o filme também é uma experiência especial."

    ARTE ABSTRATA

    Adeus à Linguagem oferece poucas informações sobre os personagens de Héloïse e Kamel. Sabe-se apenas que eles têm uma boa intimidade e que ela é casada, nada além disto. Perguntamos aos atores como era trabalhar com tão poucos dados. "As informações que tínhamos sobre nossos personagens eram mais abstratas", disse Héloïse. "No início das filmagens ele nos deu uma pintura e disse: 'este é o seu personagem, arte abstrata'. Tudo gira em torno da dinâmica, é mais psicológico."

    "É muito importante confiar nele e se entregar completamente ao que ele quer, caso contrário não é possível trabalhar com Godard", complementa Kamel.

    CITAÇÕES FILOSÓFICAS

    "Antes das filmagens recebemos as citações que seriam usadas, de forma que pudéssemos conhecê-las e entendê-las", explicou Héloïse. "Eram várias citações de livros bem diferentes, escritos por matemáticos, sociólogos, historiadores e filósofos. Todos juntos em um só diálogo. Para Godard fazia sentido, nós apenas dizíamos 'ok'. Não entendíamos no momento, mas hoje, ao ver o filme, elas soam como poesia. Você as sente mais do que compreende."

    Héloïse também demonstrou ter plena consciência do motivo que fez com que as pessoas quisessem ver Adeus à Linguagem. "As pessoas não foram ao cinema para me ver, mas para ver Godard. Tenho consciência de que este não é um filme de atores, mas um filme do Godard. É meio que uma sinfonia onde ele comanda a orquestra."

    REAÇÃO AO VER O FILME

    Com um roteiro fragmentado e vivenciando uma experiência sensorial durante as filmagens, os atores apenas souberam o que era realmente ao filme ao vê-lo pronto. Perguntamos qual foi a sensação que tiveram. "Foi um grande choque emocional", respondeu Kamel de imediato. "Não estávamos esperando aquilo, havia humor, era atrevido", disse Héloïse.

    "O filme foi feito em três partes. Conhecíamos a nossa parte, mas não a dos outros atores nem a do cachorro. Tínhamos lido sobre a participação deles, mas jamais tínhamos visto algo, já que Godard não nos deixou ficar nos sets de filmagem quando não estávamos rodando. Então conhecemos o filme como qualquer espectador normal que foi ver o filme pela primeira vez", explicou o ator.

    "NÃO SOU ESTE TIPO DE DIRETOR"

    Héloïse nos contou um fato curioso que aconteceu durante as filmagens que revela bem a personalidade de Godard. "Esqueci de tirar uma jaqueta ao rodar uma cena, aí fui avisá-lo. Ele me disse que se tivesse interesse em continuidade isto seria um problema, mas que não era este tipo de diretor. Ele não se importava."

    E O CACHORRO?

    Uma das várias discussões em torno do longa-metragem é sobre a participação do cachorro dentro da narrativa. Kamel deu sua opinião sobre o assunto. "Este filme em particular é a visão de cada espectador. O cachorro faz parte da espécie, ele é a ligação entre os humanos e a vida. Inclusive o motivo deles estarem nus é para que estejam no mesmo nível que o cachorro. Quando você pergunta se é a visão do cachorro ou dos atores, acho que não é de nenhum deles, mas uma visão universal. Cada espectador sairá com alguma sensação ou conclusão."

    NUDEZ

    Tanto Héloïse quanto Kamel têm várias cenas de nudez em Adeus à Linguagem, incluindo nu frontal. "O assistente do Godard veio nos explicar que ele queria os atores nus porque era uma relação com a natureza, através da figura do cachorro. Apenas me pediu que não me depilasse, pois queria que estivesse ao natural, como o cachorro e a floresta. Depois fiquei pensando, eu tive mesmo esta conversa com Godard???", disse a atriz.

    "No set de filmagens, foi tudo muito natural", complementou. "Éramos apenas cinco: Kamel, eu, Godard, o assistente dele e o fotógrafo Fabrice Aragno. Eu era a única mulher e nunca me senti incomodada. Era sempre muito profissional. Ele me dava um roupão, para que não pegasse um resfriado, era um verdadeiro cavalheiro para que me sentisse confortável."

    FESTIVAL DE CANNES

    Exibido em primeira mão no Festival de Cannes 2014, Adeus à Linguagem não contou com a presença do diretor na sessão de gala. "Já esperávamos que ele não iria", disse Héloïse. Os atores disseram como foi a recepção do público no maior festival de cinema da atualidade.

    "Foi a primeira vez que fui ao Festival de Cannes, então para mim foi super agradável, apesar dele não estar lá", contou Kamel. "Já nas escadas sentíamos a força daquele lugar. Apertamos nossas mãos e todos estavam tremendo! Havia uma eletricidade muito forte, com as pessoas gritando 'Viva Godard'", lembrou Héloïse.

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