Após um acidente aéreo, um inspetor da Fedex é dado como morto, apesar de estar vivo em uma ilha deserta, tentando ser resgatado por vários anos.
Imagine a cena: alguém chega na sala de um poderoso produtor de Hollywood propondo a realização de um filme que se passa a maior parte do tempo numa ilha deserta e com um único personagem. Este filme não teria nenhum tiroteio, nem perseguições de automóveis. E mais: sua duração seria superior a duas horas e vinte minutos. Loucura? Não se este “alguém que chega na sala de um poderoso produtor” for o consagrado Tom Hanks. Foi dele mesmo a idéia original do excelente Náufrago, que estréia neste final de semana no Brasil.
Só mesmo um ator de tanto prestígio como Hanks poderia convencer a Fox e a Dreamworks a investir US$ 90 milhões na cuidadosa produção de Náufrago. Claro que o projeto foi generosamente engrandecido com as marcantes colaborações do roteirista William Broyles Jr. (o mesmo de Armadilha, Apollo 13 e do futuro Planeta dos Macacos) e do excelente diretor Robert Zemeckis, de Forrest Gump e da trilogia De Volta Para o Futuro.
A história mostra Chuck Noland (Tom Hanks), um executivo da Fedex (empresa que aparece o tempo todo na tela, num dos mais impressionantes casos de merchandising já visto no cinema) obsessivamente dedicado a fazer com que todas as entregas de sua empresa cheguem rigorosamente nos horários determinados. Até que um dia seu avião cai no mar, fazendo com que Chuck se transforme num verdadeiro Robinson Crusoé.
Isolado, faminto, absolutamente sozinho e sem relógio, o executivo vai ter de reaprender a importância dos valores fundamentais da vida. Entre eles, comer, beber e conversar com alguém. Nem que este “alguém” seja uma bola de vôlei (por sinal, da marca Wilson, num outro impressionante caso de merchandising bem realizado).
Com esta sinopse, pode até parecer que Náufrago seja um filme lento e arrastado. Longe disso. Ele oferece uma descoberta a cada cena, uma envolvente aula de direção cinematográfica proporcionada por Zemeckis. Uma prova inconteste de que a grande e verdadeira qualidade do cinema está, acima de tudo, numa história bem-contada e não na estressante correria visual que predomina na maior parte das grandes produções comerciais recentes.
O roteiro optou pela feliz solução de só mostrar ao espectador aquilo que o personagem também sabe. Em quase todas as cenas, a platéia descobre os problemas e as soluções que Chuck enfrentará junto com ele, torcendo por ele, mergulhando fundo na história. Sem trocadilho. Em nenhum momento, o filme se preocupa em esclarecer como estarão a Fedex, os clientes que perderam seus pacotes no acidente ou mesmo a namorada de Chuck (Helen Hunt). Este distanciamento será de grande importância para a dramaticidade da parte final do filme.
A produção de Náufrago é um capítulo à parte. Ele foi rodado em duas etapas, durante 16 meses, com um intervalo de um ano entre elas. Num primeiro momento, foram feitas as cenas onde o personagem de Hanks era apenas um recém-chegado à ilha perdida. Na segunda etapa, um ano depois, toda a equipe de filmagem retornou a Fiji, para rodar as tomadas que mostravam Chuck já como um profundo conhecedor de seu novo habitat, muito tempo após o naufrágio. Este intervalo foi necessário para que o ator cultivasse uma longa barba e perdesse nada menos que 25 quilos.
Não apenas por isso, parece que Hanks está muito próximo de seu terceiro Oscar. Ele acabou de ganhar o Globo de Ouro e surge como favorito ao prêmio da Academia. Merecidamente. Afinal, qual outro ator conseguiria levar uma platéia às lágrimas por causa de uma simples bola de vôlei perdida no mar?
Curiosidade final: repare no sobrenome do personagem – Noland. Ou fora da terra, sem a sua terra. Numa tradução mais livre, sem nenhum país. Sem chão.