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    Inferninho
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Inferninho

    O amor é fantasia

    por Bruno Carmelo

    Uma cantora brega, um atendente vestido de coelho, um cliente prateado, outro com máscara de Darth Vader. Todas as pessoas são bem recebidas no decadente bar Inferninho, ainda que sejam poucas, e sempre as mesmas. Elas não conversam entre si, não provocam conflitos: apenas se sentam, silenciosas, tristes, como fantasmas de um lugar com ares de purgatório. Se as portas do estabelecimento não se abrissem ocasionalmente, o espectador poderia acreditar que o lugar está cortado do resto do mundo – um refúgio, mas também uma prisão. Por isso, a chegada de um marinheiro, símbolo de liberdade extrema, mexe com o coração frágil da proprietária Deusimar (Yuri Yamamoto).

    Para uma empreitada dos radicais diretores Guto Parente e Pedro Diógenes, Inferninho se revela surpreendentemente cândido, pudico e clássico. Descrito pelos mesmos como “filme de amor” durante a apresentação ao público, ele trata de paixões à primeira vista, juras de amor eterno, sonhos de viagens ao redor do mundo, cartas de despedida, ameaças de fim trágico, além da ausência de drogas, e de uma insinuação de sexo comportada, do tipo em que os personagens começam a se beijar e acordam no dia seguinte cobertos e vestidos. O projeto insere uma galeria de personagens queer num melodrama tradicional, como se também tivessem o direito à idealização romântica tão comumente associada aos amores hétéro e cis. Gays, lésbicas, travestis e transgêneros têm o direito de viverem amores kistch e previsíveis, insiste o filme.

    A maior qualidade se encontra na rica ambientação do bar. Partindo de um local teatral, com aparência de estúdio, a direção de arte constrói uma aparência decadente, mas que aspira ao refinamento. O encontro de luxo e lixo se condensa nas apresentações diárias da cantora Luizianne (Samya de Lavor), derramando letras sentimentais de forró de modo tão desafinado quanto comprometido. Ela é a musa perfeita do estabelecimento pela frequência e pela comunicação etérea com os clientes. Os melhores momentos de humor, e também os mais comoventes, provêm desta personagem muito bem interpretada por Lavor, capaz de transmitir os diferentes estados de espírito da cantora durante meia dúzia de apresentações.

    Os demais personagens possuem características e funções específicas na empresa, embora o roteiro decida se focar apenas em Deusimar, a dona do Inferninho, e em seu amor devastador por Jarbas (Démick Lopes). O olhar à personagem trans transmite empatia e respeito, além de sublinhar o belo trabalho de Yuri Yamamoto. No entanto, o protagonismo da proprietária se faz em detrimento dos demais, algo que incomoda diante da apresentação de um coletivo supostamente indissociável - a "família Inferninho", como dizem. Além de ser uma patroa exploradora, Deusimar toma decisões drásticas pensando apenas em si própria. Mesmo assim seus fiéis seguidores a abraçam, torcem por ela, choram junto. É questionável o caráter servil dos funcionários, que aceitam ser prejudicados com um sorriso no rosto, em nome da felicidade da chefe.

    Paralelamente, o repentino gesto de humanidade de um funcionário ganancioso deixa a impressão de que, para este roteiro, o mais importante é a conciliação forçada em face aos conflitos insuperáveis. Quando o mundo externo aparentemente complica a situação dos personagens – a suposta crise financeira do bar nunca é representada no dia a dia do local -, a solução narrativa se encontra na superação pela fantasia e pela união a qualquer preço. Inferninho imagina um “passe de mágica” no qual os problemas se resolvem, os amores desfeitos voltam a se atar, a tragédia se dissipa. Neste escapismo assumidamente romântico, o amor é uma fuga.

    Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.

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