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    A Garota do Livro
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    A Garota do Livro

    A mulher entre os homens

    por Bruno Carmelo

    A editora de livros Alice Harvey (Emily VanCamp) é uma mulher dominada pelos homens ao redor. Ela é subestimada pelo patrão, que a trata como secretária, recebe tratamento infantil do pai distante e autoritário, não cria conexões duradouras com namorados. Levando um trabalho entediante e tendo uma vida social pouco satisfatória, ela alimenta um trauma em seu passado. A Garota do Livro usa ferramentas do drama e do suspense para abordar a aceitação e superação deste trauma.

    Apesar da narrativa de grande potencial, o roteiro encontra problemas. A história é contada com uma alternância entre a fase adulta, no presente, e a adolescência, no passado. A montagem constrói essa evolução como se guardasse uma grande surpresa, mas fica óbvio desde o início o que ocorre entre a garota de 15 anos, que sonha em se tornar escritora, e seu mentor adulto. Por causa da obviedade da construção, a demora em revelar a verdade soa menos como pudor do que como prazer sádico em degustar as dores da protagonista.

    O elenco tem distribuição irregular. Alice possui um percurso fascinante, mas Emily VanCamp é limitada na evolução das angústias e desejos desta mulher. Seria interessante imaginar o que atrizes multifacetadas como Michelle Williams ou Carey Mulligan fariam com o mesmo material. Para piorar a situação de VanCamp, ela está face a um ator excelente: o sueco Michael Nyqvist confere grande complexidade ao escritor veterano, jamais transformado num vilão comum. Ali Ahn, no papel da melhor amiga, tem pouco a fazer além de servir como interlocutora para Alice.

    Mas nenhum desses problemas se compara às dificuldades da própria direção. A cineasta Marya Cohn não domina os aspectos básicos da linguagem cinematográfica, como o ritmo, o enquadramento, o som. Às vezes a câmera está perto demais do rosto dos personagens, às vezes os observa à distância, feito uma voyeur, em momentos nos quais as expressões dos rostos seriam importantes. Algumas cenas, como os dois atos sexuais e as conversas com a amiga no parque, são particularmente ruins, remetendo a um exercício acadêmico.

    Isso é uma pena, porque A Garota do Livro possui ambições louváveis. Este é um raro filme que pretende investigar os desejos sexuais profundos de uma mulher adulta, buscando compreender a formação de sua personalidade em viés psicanalítico. O público feminista pode discutir o eventual slut shaming do roteiro – Alice se sente culpada por sair com vários homens sem se apegar a eles – mas o fato é que a personagem não é julgada negativamente pela sociedade por isso. Ela apenas precisa tratar a fonte de seu trauma para poder interromper o ciclo compulsivo.

    O projeto também merece ser felicitado por fugir de saídas fáceis, privilegiando os momentos de silêncio, os olhares furtivos, o desconforto no rosto dos personagens. Existe uma tentativa intimista intrigante, como se Cohn quisesse atribuir à sua história a profundidade de Mrs. Dalloway e o furor de Shame, sem chegar perto de nenhum dos dois. Com exceção da conclusão tipicamente adolescente (o vergonhoso blog), este é um filme de abordagem madura. É uma pena que as intenções sejam desservidas pela realização.

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    Comentários

    • Andries Viljoen
      A própria estrutura esquemática parece punir as boas intenções de “A Garota do Livro”. Ao revelar aos poucos a Alice do passado e a atual, Cohn escolhe o atalho pueril de meramente empilhar as linhas do tempo uma sobre a outra, divide a narrativa exatamente em dois momentos: 15 anos atrás e hoje, com Alice adulta, incapaz de ser ela mesma com a melhor amiga, Sadie, e Emmett, um namorado quase perfeito, gentil e presidente de uma ONG. Há emoções genuínas nas escolhas da diretora, mas o excesso de sincronia é digno do pior tipo de best-seller.
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