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    A Farra do Circo
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Farra do Circo

    Espírito de uma época

    por Francisco Russo

    A ditadura brasileira, por mais que não tenha sido tão violenta quanto às dos vizinhos Argentina e Chile, deixou profundas marcas na história do país. Especialmente quando se fala na proposição de ideias, sobre os mais diversos assuntos. Como os novos governantes desejavam impor sua vontade goela abaixo, qualquer diferença do pensamento dominante na cúpula do governo era sumariamente reprimida. Com o passar do tempo, a própria população perdeu o hábito de pensar por si mesma, ocorrendo um fenômeno de “domesticação” que apenas décadas depois, já na retomada da democracia, começou a ser revertido. Talvez o maior exemplo disto sejam as universidades, pólo de ideais fervilhantes, que pouco a pouco foram perdendo importância dentro do cenário político nacional.

    Diante desta realidade esmagadora, os anos 1980 vieram com o desbunde, que nada mais era do que uma reação à opressão de uma ditadura estabelecida há duas décadas. Com ele, abria-se mão da luta armada em nome de uma vida aberta à pluralidade de expressão, seja ela qual for. A Farra do Circo, a história do carioquíssimo Circo Voador, é um retrato preciso justamente deste período. Época em que grandes nomes da cultura nacional despontaram, como Cazuza, Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães, mas também de um exercício de criação necessário para a própria existência, ainda mais diante da realidade que a cercava.

    Sabendo disto, os diretores Roberto Berliner e Pedro Bronz tiveram como grande trunfo a opção em fazer um documentário onde as imagens, por si só, dizem tudo. Não há narração, não há legendas, não há explicação. Há o material gravado, muitas vezes em baixa qualidade, que apresentam ao espectador dos dias atuais, que vive em plena democracia, como era este oásis de liberdade em meio à tanta repressão. Mais do que isso: apresenta a “loucura” do promoter Perfeito Fortuna e a diversidade existente naquele cenário – que, por mais que tivesse uma boa dose de abertura, também sofria com problemas da vida real, especialmente financeiros. Da mesma forma, A Farra do Circo é revelador ao mostrar como o estilo de vida de Fortuna e sua trupe era tão incompatível com a organização pregada pelo sistema capitalista, algo demonstrado especialmente no trecho em que o Circo Voador parte para o México, durante a Copa do Mundo de 1986.

    Por mais que o documentário seja bastante interessante nesta difícil tarefa de recriar todo um estilo ideológico, ele peca justamente pela duração. Apesar de ter apenas 94 minutos, a repetição de cenas de fundo parecido acaba cansando o espectador. Ainda assim, trata-se de um filme indicado para quem gosta de temas históricos e, em particular, sobre assuntos relacionados à ditadura militar brasileira. É claro que quem mora ou morou no Rio de Janeiro tem uma familiaridade maior com o exibido, mas mesmo quem não tiver ligações com a capital fluminense pode apreciá-lo pelo que o local significava naquela época. Bom filme.

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