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    Amy
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Amy

    O mundo à nossa volta

    por Francisco Russo

    Amy Winehouse, ícone de uma geração, reconhecida desde muito jovem devido ao poder de sua voz, morta com apenas 27 anos. O documentário Amy, dirigido por Asif Kapadia (que já havia dirigido um doc britânico sobre o brasileiríssimo Ayrton Senna), tem como missão desvendar quem era a pessoa por trás da cantora. Para tanto, realizou uma extensa pesquisa que incluiu os tradicionais elementos do gênero: fotos, depoimentos de pessoas próximas, apresentações na TV, vídeos caseiros e de bastidores. Por mais que o filme entregue ao espectador um vasto material, o que importa realmente é o quanto ele diz não apenas sobre a cantora, mas também sobre o mundo à nossa volta.

    Um dos vídeos mais valiosos é o que abre o documentário: Amy aos 15 anos, brincando com a família, solta o vozeirão ainda adolescente. Todos que ali estavam ficam paralisados, impressionados com o que ela acabara de produzir. O material gravado mais rico é justamente o de seu início, quando é possível perceber seu lado debochado e até ingênuo. A linha narrativa acompanha seu crescimento no meio musical e, paralelamente, as transformações em sua vida. À medida que isto acontece, os vídeos caseiros são substituídos pelas fotos, principalmente dos paparazzi de tabloides britânicos. Poucas foram as pessoas que tiveram a vida tão exposta ao público, no auge da fama, quando Amy Winehouse. E isso diz muito, sobre ela e sobre o público.

    Ao assistir o documentário, fica claro que a própria Amy adorava uma câmera. Performática por natureza, assumia para si o posto de personagem. Não era difícil: carismática, (quase) sempre com o característico penteado e maquiagem nos olhos, as tatuagens crescendo em número com o passar dos anos. O que chama a atenção é que, em vários momentos, ela agia da mesma forma tanto na vida pública quanto privada; não havia diferença. A mídia, por sua vez, adorava! Era o tipo de pessoa que, pelas particularidades marcantes, naturalmente atrai os holofotes - e ainda por cima era boa cantora! Só que, talvez por ingenuidade ou por não medir as consequências a longo prazo, as mesmas câmeras que a consagraram também mostraram, passo a passo, sua derrocada. Sem piedade.

    O que surpreende não é a queda em si, mais do que conhecida pelo grande público. Chocam imagens em que ela, ao sair de uma casa ao lado do marido, recebe tantos flashes de fotógrafos que a noite se transforma momentaneamente em dia. Choca que seus problemas pessoais com drogas e álcool, de tão constantes, tenham se tornado piada cínica em programa de TV. Choca e faz pensar, sobre este culto às celebridades que, no fim das contas, as vampiriza. Por que? Pra que?

    Por mais que não aponte propriamente culpados, Amy deixa bem clara a fragilidade da garota que simplesmente não conseguiu suportar toda a pressão de ser uma celebridade mundial – e também não recebeu ajuda para tanto. Bastante didático, o filme acompanha com riqueza de dados toda sua carreira, com direito a letras de suas canções na tela para ressaltar o quanto elas se relacionavam com o momento que vivia. Por outro lado, é também um filme triste. Cerca da metade dos 127 minutos de duração – talvez um pouco mais – é dedicada à fase auto-destrutiva, em uma espiral onde, mais uma vez, impressiona o quanto ela foi sugada – e se deixou sugar – pelas pessoas à sua volta. Os shows em que aparece dando um tapa no próprio rosto, numa tentativa desesperada de despertar, ou que simplesmente não conseguiu cantar são o melhor exemplo disto.

    Mas, em meio a todos os problemas dos últimos anos de vida, há ao menos dois momentos de brilho intenso: os encontros com seu ídolo Tony Bennett, tanto no Grammy quanto ao gravar uma participação no novo álbum de duetos dele. Ali é a Amy adolescente, expressiva e transparente, mostrando ao mundo que ela ainda existia, por mais que tudo à sua volta tentasse lhe roubar a pureza.

    Amy, o documentário, é uma celebração sobre quem foi Amy Winehouse que com certeza agradará aos fãs e, também, consegue apresentá-la aos leigos com competência. Mas, assim como fez em Senna, quando usou o piloto brasileiro para ressaltar a politicagem existente nos bastidores da Fórmula 1, o diretor Asif Kapadia vai além disto. Muito bom filme, não apenas pelo retrato feito da cantora mas também do mundo à nossa volta. Afinal de contas, Amy se foi mas a mídia, e o público que a consome, continuam.

    Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.

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