Desde o início de suas produções, o cinema mitológico sempre se mostrou um convite ao desconhecido, atraindo muitos espectadores por grande curiosidade em histórias que fogem totalmente do “cinema convencional”, o qual também não perde em boas histórias para serem rodadas nas lentes de grandes e visionários diretores. Mas quando o filme se baseia em uma história que há muito fora estudada e contada para diversas gerações, a equipe de produção deve ser o mais calculista possível, ou, em termos, deve “apertar o cinto” e não se deixar levar somente pela ânsia de criar um grande espetáculo visual e pecar nas questões de roteiro, ou vice e versa. Este é um dos casos do filme “Deuses do Egito”, que mesmo apresentando uma trama frenética e recheada de efeitos especiais, peca em diversos quesitos, puxando ainda mais as pontas soltas que os filmes do gênero deixaram no passado.
Há milhares de anos no Egito, deuses e homens viviam em paz e harmonia sobre a terra, que era governada por Osíris (Bryan Brown), deus da vida e rei do Egito, que foi abençoado com um filho chamado Horus (Nikolaj Coster), deus do ar. Diferente do seu irmão Seth (Gerard Butler), deus das tempestades, que foi exilado nas terras áridas do Egíto pela sua tamanha ambição por poder e extrema crueldade. No dia da coroação de seu filho, Osíris é desafiado por Seth pela coroa e acaba morrendo. Horus, em tentativa de vingar seu pai, acaba lutando com Seth, porém também perdendo e tendo seus “olhos que tudo veem” arrancados. Seth governa o Egito e escraviza boa parte dos mortais, enviando Horus para tomar seu lugar no exílio das terras áridas. Em meio a tudo, o mortal Bek (Brenton Thwaites) é separado de sua amada que agora vivia na casa de um tirano cruel, porém ainda tinha esperanças de que Horus retornaria para salvar o Egito, e pede para Bek roubar de volta os seus olhos, e entrega-los ao mesmo, para que o Egito pudesse viver de novo em paz; porém, Seth toma conhecimento do plano, e os caça implacavelmente, antes que Horus retorne e seja tarde demais.
O desenrolar do filme é muito ágil, o que foi um ponto necessário na trama, uma vez que a mesma busca o máximo de batalhas frenéticas e acontecimentos que enaltecem os personagens, deixando pouco espaço para o desenvolvimento dos mesmos e perdendo a oportunidade de explora-los mais. O filme se foca apenas em alguns deuses, deixando os outros em escanteio, e não fazendo jus ao título “Deuses...”, uma vez que grande parte dos outros não chegam a ter uma participação considerável ou até mesmo um diálogo no filme, o que submete personagens que poderiam render boas cenas de ação e diálogos grandiosos a figurantes que servem apenas para enaltecer Seth em pequenas lutas e passar o enorme recado ao espectador de que ele é o mais poderoso entre todos, uma coisa que fica clara e escancarada além do limite no desenrolar da trama. Talvez este seja o mais ostensivo dos pontos fracos da mesma, a má interação de personagens.
Porém se o filme é mal dividido entre grande parte do elenco, ele é extremamente reforçado em quesitos técnicos, principalmente em efeitos especiais, o qual o mesmo usa em larga escala para desviar a atenção do roteiro mal retificado, e que podem concorrer a um oscar no quesito "melhores efeitos visuais"; e não podemos esquecer das cenas de ação, que são avassaladoras e muito bem elaboradas, e também contracenam com os efeitos especiais, tornando-se um verdadeiro show à parte no filme. Embora o chroma-key seja utilizado em larga escala, ele não é desperdiçado nem por um segundo, mantendo-se onipresente quase que em todo o filme, sendo de enorme agrado aos olhos e dando grandiosidade até aos menores elementos presentes nos cenários, que também ganharam um enorme destaque no filme, apresentando desde pequenas casas e feiras à galáxia, e da mesma à antiga arquitetura egípcia, mesmo que de uma forma mais grandiosa. Em suma: efeitos impecáveis, cenários impecáveis, sequências de ação impecáveis; destaque para a excelente comissão técnica do filme.
Se por um lado o diretor escanteia alguns personagens, se foca totalmente naqueles que conduzem a trama, e torna-se difícil distinguir quem é o ator principal e quem é o coadjuvante entre Nikolaj Coster e Brenton Thwaites, que possuem uma ótima sincronia entre as cenas. Outra atuação que não pode ficar sem destaque é a de Gerard Butler, que se mostra totalmente apto a conduzir papeis como o do rei Seth após interpretar o rei Leonidas no filme 300 (2006), só que agora como um tirano implacável. Chadwick Boseman e Brenton Thwaites quebram o ar de seriedade do filme, servindo de alivio cômico mesmo nas cenas mais tensas, o que diverte o público ainda mais.
Gods Of Egypt (título original) é uma trama balanceada, divertida e frenética porém não muito elaborada, mas nada tão grave que leve o filme ao fracasso. Um show de efeitos visuais, Deuses do Egito é um filme que não deixa o espectador piscar nem por um segundo, e, apesar das pontas soltas, consegue deixar o público sair da poltrona bem satisfeito.