Sempre que uma obra literária é adaptada para cinema, a expectativa criada em torno da produção é enorme. É só pensar em quantas vezes você ouviu que “o livro é melhor que o filme” pra perceber a dimensão do “problema”. Com as artes nacionais, certamente não seria diferente – ainda mais com uma obra tão clássica como a trilogia de Erico Veríssimo. O fato de o primeiro livro da coleção, "O continente", já ter sido adaptado para televisão, então, causa um transtorno ainda maior – afinal, o filme tem que ser melhor que o livro E que a minissérie. Tamanho desafio, portanto, não tinha lá muitas chances de dar certo. Com tanta expectativa e um preconceito já enraizado no público, quem Jayme Monjardim pensa que é pra fazer um troço tão fantástico que fosse calar a boca de todo mundo, não é mesmo?
Pois bem, não dá pra negar que o cara tentou. Chamou um elenco de peso (com direito a Fernanda Montenegro, Thiago Lacerda, Cléo Pires, Paulo Goulart e Marjorie Estiano); apostou na fotografia carregada de contraste e cor, com diversos planos contra a luz; caprichou da direção de arte (como, é claro, já estava acostumado a fazer nas novelas da Globo); e se esforçou, de verdade, pra que seus atores realmente incorporassem os personagens e os tornassem presenças marcantes na telona. Funcionou, até certo ponto.
Fernanda Montenegro, como sempre, dá um show de emoção e sensibilidade (embora não tenha conseguido mascarar totalmente o sotaque carioca). Thiago Lacerda, apesar de ter abusado um pouco dos trejeitos caricatos, conseguiu criar um Capitão Rodrigo digno da personalidade forte e do carisma do personagem do livro, fornecendo ao público aquele alívio cômico em uma história tão pesada e sofrida. A tentativa dos roteiristas Letícia Wierzchowski e Tabajara Ruas de conduzir o filme com a narração de Bibiana já em idade senil certamente vale uns aplausos – porque, né, não estava fácil pensar em algo que fosse diferenciar o filme da minissérie e não torná-lo uma cópia mais curta dela. E o visual da produção é realmente fantástico – cores mil, que deslumbram os olhos e dão uma baita vontade de largar tudo e correr pros pampas, e locações e figurino impecáveis, como já estamos acostumados a ver nas superproduções Globais. São vários, portanto, os pontos positivos que fazem dessa adaptação de "O tempo e o vento" uma obra que vale a ida ao cinema.
Mas, né, uma vez noveleiro, sempre noveleiro. Se você, quando viu que o diretor era Jayme Monjardim, pensou que o filme ia ter cara de novela, acertou em cheio. O cara não consegue, definitivamente, se distanciar dos vícios televisivos e aplica quase todos esses “truques” no filme – cortes rápidos para closes, movimentos de câmera pobres, ênfase nas belas locações com musiquinha cadenciada de fundo e um exagero visível no tratamento das imagens de paisagens (que, claro, são realmente lindas, mas jamais teriam um entardecer tão azul ou um amanhecer tão alaranjado). Essa confusão de linguagens (cinema x TV) empobrece a produção e torna o filme uma pequena novela de duas horas e meia. Nhé.
O roteiro em formato de narração também não favoreceu a trama. Apesar de a iniciativa ter sido realmente arrojada e, por isso, louvável, ficou um pouco cansativa e fez com que o filme perdesse muito em diálogos e contracenas que tornariam a produção bem mais interessante e inteligente – mesmo porque palavras interessantes e inteligentes certamente não faltam no livro usado como base para a produção do roteiro.
Por fim, a trilha sonora – já não muito inspirada e totalmente óbvia durante todo o filme – comete um pecado mortal exatamente no final, durante os créditos: uma música em inglês em um filme cuja história é totalmente brasileira. Gente, nada a ver. Completamente equivocado e sem sentido.
O fato é que se você espera ver um filme diferente do que você já viu antes na TV, esqueça. Vai ficar chupando dedo. Mas se você já está conformado com o fato de que a produção vai mesmo ter aquela cara de novela das nove – afinal, foi dirigida por um diretor expert no gênero – vá em frente, certamente é um prato cheio para os olhos e funciona muito bem como mini-minissérie, pra quem curte o estilo.