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    Raul - O Início, o Fim e o Meio
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Raul - O Início, o Fim e o Meio

    Toca Raul!

    por Lucas Salgado

    Demoraram mais de 20 anos após a morte de Raul Seixas para decidirem fazer um documentário sobre ele. Isso não significa que o "personagem" não é complexo o suficiente para despertar o interesse do cinema, mas justamente o contrário: a responsabilidade de se retratar a vida e a obra do Maluco Beleza é tanta que custou para que um cineasta assumisse a mesma. Felizmente, o talentoso Walter Carvalho aceitou o desafio e daí nasceu o ótimo Raul - O Início, o Fim e o Meio.

    Em conversa com o AdoroCinema, Carvalho admitiu que dizer o que lhe interessava na figura do Raul poderia ser objeto de um seminário. O grande problema do filme é justamente este: não possui a duração de um seminário e logo deixa de fora importantes aspectos da personalidade do artista. O longa possui depoimentos extraordinários, mas é inegável que em alguns momentos soa verborrágico demais e não deixa a música de Seixas falar por ela mesma. Vários dos clássicos do músico marcam presença no documentário, mas nunca aparecem na íntegra. É claro que a proposta não é a mesma de A Música Segundo Tom Jobim, por exemplo, mas faz falta um pouco de respiro. Comprovando isso, uma das melhores sequências do novo filme é aquela em que Caetano Veloso canta "Ouro de Tolo". O diretor colocou quase toda a música em cena, passando bem para o espectador toda a profundidade e o espírito da letra.

    Também incomoda muito os depoimentos ensaiados, em especial aquele em que uma pessoa entra dentro de uma fonte no Parque Lage, no Rio de Janeiro, e também as entrevistas com indivíduos pouco importantes na história do músico, como um dentista dele. Tais problemas não comprometem o resultado final da obra, que ainda assim é excelente, mas é inegável que poderia ser melhor.

    O grande mérito de Raul - O Início, o Fim e o Meio é conseguir traçar um panorama sobre a trajetória de Seixas. Não se trata, no entanto, de uma obra didática ou enfadonha, não seguindo uma ordem totalmente cronológica. Aborda um pouco de sua infância, mas não demora a tratar logo de cara acerca da Sociedade Alternativa e a junção entre os estilos de Luiz Gonzaga e Elvis Presley. Traz ainda cenas de Easy Rider para inserir o astro na conjuntura da contracultura e mostra suas primeiras bandas, Relâmpagos do Rock e Os Panteras.

    Walter Carvalho apresenta um trabalho primoroso de pesquisa, trazendo gravações de áudio de quando Raul tinha apenas 9 anos e inúmeras outras preciosidades de arquivos, como desenhos de "filmes dirigidos" por ele. Mostra ainda várias apresentações do artista e entrevistas para a televisão.

    O filme não tenta desmitificar ou endeusar Raul, mas sem dúvida contribui para passar para as novas gerações que ele era um artista em todos os sentidos, não sendo apenas pose como acontece muito nos dias de hoje. Era um sujeito capaz de momentos de brilhantismo estremo, mesmo quando relata a sua dependência do álcool. Em uma carta, ele diz que em determinado momento da vida bebia, vomitava e continuava bebendo até que um copo conseguisse permanecer no organismo. É algo triste e brutal, mas até isso é apresentado com uma certa poesia.

    "Nunca fiz música de protesto. O que faço é raulseixismo", diz o cantor em determinado momento do longa. E é isso mesmo. Sempre foi um artista subversivo, mas sempre carregou uma espécie de anarquismo que impedia que seu protesto fosse dirigido a uma só pessoa ou uma só situação. Ele contestava o sistema, como mostra a bela letra de "Ouro de Tolo": "Eu devia estar contente / Por ter conseguido / Tudo o que eu quis / Mas confesso abestalhado / Que eu estou decepcionado... / Porque foi tão fácil conseguir / E agora eu me pergunto ‘e daí?' / Eu tenho uma porção / De coisas grandes pra conquistar / E eu não posso ficar aí parado."

    Como disse acima, o longa possui alguns depoimentos desnecessários, mas também inegável que traz outros extraordinários, como a longa entrevista com Paulo Coelho. O escritor, que foi um dos principais parceiros de Raul, conversa francamente sobre o período e diz abertamente que foi o responsável por apresentar ao músico todas as drogas possíveis. Assim como Miguel Faria Jr. fez em Vinícius, aqui Carvalho opta por apresentar todas as várias mulheres que fizeram parte da vida de Seixas. Apenas a primeira esposa não concedeu uma entrevista, mas mesmo assim pôde ser vista lendo uma declaração via Skype que não falaria sobre o ex-marido.

    Ao final, o documentário consegue reanimar o espírito do músico, mostrando porque o "toca Raul!" virou uma máxima presente em shows de qualquer tipo de banda até hoje.

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    Comentários

    • Marcio Pereira
      Que filme lindo. Eu tinha me esquecido de quantos sucessos o Raul Seixas tinha conseguido na mídia e a importância dele para os anos 70 e 80. O depoimento da mulher que cuidou dele nos últimos anos de que nunca tinha visto ele bêbado foi demais (coração de mãe).
    • Douglas Santos
      A irreverência do Raul é ímpar. Esperava mais do documentário, focou muito nos relacionamentos dele e menos na carreira!
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