“Lembrem-se: tentem se divertir. Senão, qual a razão disso?”
O maior super-herói da cidade sai para mais um combate ao crime. Diante de alguns bandidos comuns, é submetido a uma surra que o deixa imóvel no chão, coberto de sangue e gritando de dor. Sua “parceira”, uma garota de 15 anos de idade, também heroína, chega e arrebenta os bandidos, arrancando braços, pernas e promovendo um banho de sangue enquanto desfila um vocabulário que poderia ser utilizado como uma aula de xingamentos e palavrões.
Esse cenário pode parecer estranho para alguém habituado aos filmes de super-herói lançados quase todo mês nos cinemas, mas não para quem assistiu ao surpreendente Kick Ass: Quebrando Tudo, lançado em 2010 e que com uma mistura de violência gráfica e humor negro estabelecia um mundo realista povoado por super-heróis sem poderes, apenas o desejo de lutar contra o crime. Para esses espectadores, Kick Ass 2 surpreende ao expandir de maneira natural o universo criado em seu antecessor ao mesmo tempo em que mantém alguns dos acertos anteriores e amplia outros.
Quando Kick Ass 2 se inicia descobrimos que ao assumir a identidade de Kcik Ass e iniciar sua luta contra o crime, o jovem Dave Lizewski (Aaron Taylor-Johnson) inspirou várias outras pessoas “normais”, sem poderes, a fazerem o mesmo, culminando em uma cidade recheada de figuras fantasiadas. É então que Kick Ass se une ao Coronel Stars and Stripes (Jim Carrey) e mais alguns desajustados para formar o grupo “Justice Forever” (“Justiça Para Sempre”), uma reunião dos “grandes” super-heróis da cidade. Paralelo à isso, Dave tenta convencer Mindy Macready (Chloë Grace Moretz), a Hit Girl, a juntar-se ao grupo, já que a garota é a maior combatente da cidade. Porém, isso não é fácil para a garota, já que seu tutor, o policial Marcus (Morris Chestnut), insiste para que ela abandone a luta contra o crime para se comportar como uma garota normal.
Somamos à esse cenário o personagem Chris D’Amico (Christopher Mintz-Plasse), o Red Mist do filme anterior, que retorna como o super-vilão The Moterfucker, para vingar a morte do pai, e temos a trama de um dos melhores e mais divertidos filmes do ano.
O grande acerto do longa de Jeff Wadlow é não fazer concessões que poderiam ser esperadas de uma continuação, mantendo todos os fatores que no longa anterior foram os responsáveis pelo seu sucesso e fracasso simultaneamente, já que, apesar de se pagar nas bilheterias, Kick Ass: Quebrando Tudo não foi um estouro ou algo do gênero. Assim, nessa continuação temos uma violência ainda mais exagerada, palavrões e humor negro em profusão – repare no intraduzível nome do vilão, em que outro filme veria-se algo assim? – e muito, muito mais Hit Girl.
Alçada ao papel de protagonista ao lado do personagem título, a garota volta a roubar o filme, se firmando como uma das melhores personagens surgidas nas telonas nos últimos anos (perdendo apenas para a Lisbeth Salander, interpretada por Rooney Mara, em Millenium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres). Interpretada com energia e talento por Chloë Grace Moretz, atriz que a cada filme se firma como grande talento de sua geração, a personagem alterna entre uma graciosa colegial adolescente, deslocada entre patricinhas e jogadores de futebol, em cenas que poderiam ter saído de qualquer filme high school da Disney e uma assassina psicopata que tritura criminosos com mais facilidade do que xinga e grita palavrões. Mas, o mais interessante é observar como o aumento de sua participação encontra eco no desenvolvimento mais aprofundado da personagem, que não podendo assumir seu papel de defensora da cidade por receio de desrespeitar sua figura paterna, acaba atravessando uma crise de identidade que a leva até mesmo a deixar seu uniforme de lado – algo que a torna ainda mais vulnerável aos dilemas adolescentes, como o bullying, os interesses românticos e a vontade de pertencer aos grupos sociais descolados.
Claro que, com uma personagem como Hit Girl, seria bastante fácil o personagem-título ser relegado à coadjuvante de seu próprio filme, mas não é o que acontece: toda a trama de Kick Ass 2 gira em torno de Dave e sua identidade secreta, com todas as ações e reações passando pelo garoto, o que dá a chance de Aaron Taylor-Johnson mostrar que tem talento compondo o personagem da maneira que ele realmente é: uma garoto comum em uma situação extraordinária, o que não o impede de ficar com medo, empolgado, preocupado e entre outras coisas conforme a situação em que está inserido.
Da mesma forma, Jim Carrey e Christopher Mintz-Plasse também encontram espaço para brilhar: o primeiro emprestando sua excentricidade ao fundador da “Justice Forever”, um personagem durão, cômico e que compensa seu passado ligado à máfia combatendo o crime. O segundo surpreende ao emprestar muito mais do que apenas sua veia cômica ao antagonista do filme ao surgir exalando perigo como um vilão com chances reais de matar os heróis – mesmo que, na realidade, o perigo venha de seu grupo de vilões e não do garoto franzino e raivoso.
E se mencionei a palavra perigo no último parágrafo é por que é extremamente instigante notar como a narrativa de Kick Ass 2 exala tensão e urgência, mesmo quando a comédia e o exagero parecem tomar conta da tela. Não que isso seja surpresa, afinal, no filme anterior acompanhávamos heróis sendo torturados e uma garotinha sendo espancada pelo vilão até sangrar, mas nessa continuação o perigo é tanto que não é loucura pensar que um ou mais personagens principais não chegarão ao final, algo extremamente bem-vindo em uma produção do gênero e que muitas obras “sérias” de super-heróis tentam conseguir e fracassam – vide O Homem de Aço, lançado esse ano. Assim, quando o filme ecoa a caça aos mascarados vista em Watchmen, muito mais que uma piada ou sátira, aquilo surge como uma homenagem valida à obra, já que a paranóia estabelecida aqui também é séria e culmina em uma morte e um pranto realista e triste, que catalisa uma batalha épica – guardadas as devidas proporções – vista no terceiro ato.
Contando ainda com uma montagem enérgica e que não deixa o ritmo cair quando precisa se dividir em diferentes linhas narrativas ou mesmo nas cenas de ação onde os efeitos visuais falham, Kick Ass 2 surpreende ao pegar uma idéia que deu certo e amadurecê-la em algo muito maior e melhor, e sendo assim, uma vindoura transformação das aventuras de Kick Ass e Hit Girl em trilogia seria algo bem-vindo, ainda que a história se encerre de maneira extremamente satisfatória aqui.